sexta-feira, julho 25, 2008

A cortesia dos cegos, por Wisllawa Szymborska


Evgen Bavcar, O Moisés de Michelângelo.

"O poeta lê seus versos para os cegos.
Não esperava que fosse tão difícil.
Sua voz fraqueja.
Suas mãos tremem.

Ele sente que cada frase
está submetida à prova da escuridão.
Ele tem que se virar sozinho,
sem cores e luzes.

Uma aventura perigosa
para as estrelas da poesia,
para as manhãs, o arco-íris, as nuvens, os neons, a lua,
para o peixe tão cintilante sob a água
e o falcão tão alto e quieto no céu.

Ele lê -- pois já não pode parar --
sobre o menino de casaco amarelo num campo verde,
telhados vermelhos que se contam no vale,
números irrequietos na camisa dos jogadores
e a desconhecida, nua, na fresta da porta.

Ele gostaria de omitir -- embora seja impossível --
todos os santos no teto da catedral,
a mão que acena do trem à partida,
a lente do microscópio, o anel e seu brilho,
as telas de cinema, os espelhos, os álbuns de
fotografia.

Mas é enorme a cortesia dos cegos,
admirável a sua compreensão, a sua grandeza.
Eles escutam, sorriem e aplaudem.

Um deles até se aproxima
com o livro de cabeça para baixo
pedindo um autógrafo invisível."

SZYMBORSKA, Wisllawa. "A cortesia dos cegos".

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