segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Melancolia


Domenico Feti, Melancolia, c. 1620.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

"Somos nossos próprios demônios"


Gustave Doré, Satã, ilustração do Paraíso Perdido de Milton, c. 1866.

DEMÔNIOS. Parece às vezes ao sujeito amoroso estar possuído por um demônio de linguagem que o obriga a ferir a si próprio e a se expulsar -- segundo a proposição de Goethe -- do paraíso que, em outros momentos, a relação amorosa constitui para ele.

1. Uma força precisa arrasta minha linguagem em direção ao mal que posso fazer a mim mesmo: o regime motor de meu discurso é a roda livre: a linguagem vai girando, sem nenhum pensamento tático da realidade. Procuro fazer mal, expulso-me a mim mesmo de meu paraíso, empenhamdo-me em suscitar em mim as imagens (de ciúmes, de abandono, de humilhação) que podem me ferir; e aberta a ferida, mantenho-a, alimento-a com outras imagens, até que um outro ferimento venha provocar a diversão.

2. O demônio é plural ("Meu nome é Legião", Lucas, 7,30). Quando um demônio é repelido, quando finalmente impus-lhe silêncio (por acaso ou luta), um outro levanta a cabeça ao lado e se põe a falar. A vida demoníaca de um amante assemelha-se à superfície de uma solfatara*: grandes bolhas (ardentes e lamacentas) eclodem uma após a outra; quando uma baixa e apazigua-se, retorna à massa, uma outra, mais adiante, se forma, infla. As bolhas "Desespero", "Ciúme", "Exclusão", "Desejo", Incerteza de conduta", "Pavor de perder a dignidade" (o mais perverso de todos os demônios) fazem "ploc" uma após a outra, numa ordem indeterminada: a desordem mesma da Natureza.

3. Como repelir um demônio (velho problema)? Os demônios, principalmente se são de linguagem (e que mais poderiam ser?), se combatem pela linguagem. Posso pois ter a esperança de exorcizar a palavra demoníaco que me é soprada (por mim mesmo) substituindo-a (se acaso eu tiver tal talento linguageiro) por uma outra palavra, mais pacífico (caminho para a eufemia). Assim: eu acreditava ter finalmente saído da crise, quando repentinamente -- incitada por uma longa viagem de carro -- uma verborragia me possui, não paro de me agitar no pensamento, no desejo, na nostalgia, na agressão do outro; e acrescentoo que sofro uma recaída; mas o vocabulário francês é uma verdadeira farmacopeia (veneno de um lado, remédio do outro): não, não se trata de uma recaía, trata-se apenas do último sobressalto do demônio interior.

* Cratera de vulcão extinto de onde se exalam vapores de enxofre ou gás sulfídrico; sulfureira.

Roland Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso.
(São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 111-113).

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Mulheres, perfumes, belas flores...


Odilon Redon, Jovens em flor, 1905-1912.

"Alegria aparece para mim como a finalidade da vida e a única coisa útil no mundo. Deus também a quer: ele criou mulheres, perfumes, luz, belas flores, bons vinhos, cabelos cacheados, lábios, gatos angorás; ele não disse a seus anjos: tenham Virtude, e sim: amem!"
(Théophile Gautier)

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

O Dândi, por Charles Baudelaire

"O homem rico, dedicado ao ócio e que, mesmo aparentando indiferença, não tem outra ocupação que a de correr no encalço da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado, desde a juventude, a ser obedecido, aquele, enfim, que não tem outra profissão que não a da elegância, gozará sempre, em todas as épocas, de uma fisionomia diferente, inteiramente à parte.
(...)
Esses seres não têm outra ocupação a não ser a de cultivar a ideia do belo em sua pessoa, de satisfazer as suas paixões, de sentir e de pensar. Dispõem, assim, a seu bel-prazer e em grande quantidade, de tempo e dinheiro, sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de devaneio passageiro, dificilmente pode ser traduzida em ação. É, infelizmente, bem verdade, que, sem tempo livre e sem dinheiro, o amor não passa de uma orgia de plebeu ou do cumprimento de um dever conjugal. Torna-se, em vez da atração ardente ou plena da fantasia, uma repugnante utilidade.

Se falo do amor a propósito do dandismo, é porque o amor é a ocupação natural dos que se dedicam ao ócio. Mas o dândi não visa o amor como objetivo especial. Se falei de dinheiro, é porque o dinheiro é indispensável às pessoas que fazem de suas paixões um culto; mas o dândi não aspira ao dinheiro como a algo essencial; um crédito ilimitado é o bastante; ele deixa essa grosseira paixão aos vulgares mortais. O dandismo não é nem mesmo, como muitas pessoas pouco sensatas parecem acreditar, um gosto imoderado pela toalete e pela elegância material. Essas coisas não são para o perfeito dândi, senão o símbolo da superioridade aristocrática do seu espírito."

Charles Baudelaire. O pintor da vida moderna.
(Belo Horizonte, Autêntica, 2010, p. 62-63).