quarta-feira, maio 30, 2007

O Estado da Arte sem Arte, em Lygia Clark


Lygia Clark, Cabeça coletiva, 1975.

A interface entre os planos estético, ético e político destaca o parentesco entre a experiência intelectual de Marcuse e a prática artística de Lygia Clark

por Aléxia Bretas

Contra a concepção marxista da arte como pura ideologia, Marcuse, em um de seus últimos ensaios, escreveria: "Toda a verdadeira obra de arte seria revolucionária, na medida em que subverta as formas dominantes da percepção e da compreensão, apresente uma acusação à realidade existente e deixe aparecer a imagem da libertação" (Marcuse, 2000, p. 13). Sem injustiça, de tal natureza é a prática artística de Lygia Clark. Intuitivamente solidária à premissa que admite o viés entre a arte e a política, seu trabalho investe no potencial emancipatório de uma dimensão estética transformada. Daí, já em 1968, ela afirmar: “Se eu fosse mais jovem, faria política” (Clark, 2006).

Clark – que teve uma iniciação relativamente tardia nas artes, aos 27 anos de idade – assina, com Ferreira Gullar e outros seis artistas, o Manifesto Neoconcreto, de 1959. Logo de saída, a expressão “neoconcreto” é apresentada como uma “tomada de posição” frente à arte “não-figurativa”, e particularmente à arte concreta, comprometida por uma “perigosa exacerbação racionalista” (Gullar in Clark, 2006). Dispostos a corrigirem os equívocos produzidos por uma noção mecanicista de construção, derivada de uma atitude cientificista, de extração gestáltica, os neoconcretos defendem o primado da obra sobre a teoria, reivindicando o privilégio da sensibilidade sobre a razão. E garantem: “Ou bem a profecia de uma total integração da arte na vida parece-nos possível (...), ou essa integração nos parece cada vez mais remota e a sua obra se nos mostra frustrada” (Gullar in Clark, 2006). Ao retomarem o projeto de dissolução da arte na vida propalado pelas primeiras vanguardas, figuras como Amílcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanúdis repõem o problema estético em nova chave, subvertendo as categorias de espaço, tempo, forma, estrutura e cor, em nome de uma experiência artística totalmente re-significada.



Lygia Clark, Superfície ondulada nº 5, 1955.


Que se recorde que de 1954 a 1956, Clark já havia realizado outras quatro exposições com o Grupo Frente – do qual faziam parte também Lygia Pape e Hélio Oiticica. Durante estes anos de pesquisa “geométrica” – em grande medida, inspirada em Mondrian –, os limites da representação pictórica são radicalmente esgarçados, pela tentativa, sempre renovada, de enfrentar a “crise do retângulo” com a superação da própria bidimensionalidade do quadro. No caso de Lygia Clark, as Superfícies Moduladas (1956-1958) correspondem à solução encontrada para o aparente esgotamento do plano e, vistas em retrospecto, representam seu primeiro passo para fora das fronteiras do objeto como tradicionalmente concebido.

Tanto que o estudo clarkiano da linha orgânica resulta na criação dos Casulos (1959) e, mais tarde, de suas célebres chapas de metal articuladas por dobradiças, a propósito, batizadas de Bichos (1960). A própria artista explica que tais “contra-relevos” ou “neo-objetos” são como um organismo vivo, “uma obra essencialmente ativa”. Ela continua: “Uma integração total, existencial, é estabelecida entre ele e nós. (...) Na realidade, trata-se de um diálogo em que o Bicho reagiu às estimulações do participante. [Portanto], esta relação entre obra e espectador – antigamente virtual – torna-se efetiva” (Clark, 2006). Ao colocar em xeque os protocolos da contemplação passiva, Lygia é pioneira em promover a participação do público como condição de possibilidade do próprio “acontecimento” artístico.



Lygia Clark, Bicho, 1960.


Em 1963, com a proposição Caminhando, a artista prossegue sua trajetória rumo à completa desmaterialização da obra de arte. Clark se justifica: “Se eu utilizo uma fita de Möebius para esta experiência, é porque ela contrasta com nossos hábitos espaciais: direita-esquerda; avesso-direito etc. Ela nos faz viver a experiência de um tempo sem limite e de um espaço contínuo” (Clark, 2006). Em seguida, ela reconhece seu empenho em “criar um espaço-tempo novo, concreto – não apenas para mim mas para os outros” (Clark, 2006), e escreve ao amigo Hélio: “Para mim, o objeto, desde o Caminhando, perdeu o seu significado, e se ainda o utilizo é para que ele seja o mediador para a participação” (Clark; Oiticica, 1998, p. 61).



Lygia Clark, Caminhando, 1963.


Em seu afã de habilitar uma modalidade efetivamente “intersubjetiva” de apresentação, a artista opera uma verdadeira “revolução copernicana” no âmbito da recepção estética, priorizando a participação do espectador – isto é, a realização do próprio ato – sobre a duração ou a objetividade da obra, no sentido tradicional do termo – vide experiências como as Máscaras sensoriais (1967), O eu e o tu (1967), A casa é o corpo (1968), Camisa de força (1969) e Arquiteturas biológicas (1969). Até por isso, Lygia se situa, como ela mesma diz, em algum lugar “entre o artista e o sistema”.

Fabbrini observa: “O que a artista buscava era a constituição de um estado estético (‘o estado da arte sem arte’) que só ocorreria com a recuperação do corpo sensório. Por isso os suportes físicos das proposições construtivas não são obras artísticas, mas instrumentos de sensibilização: são pontos de partida que procuram despertar a capacidade criativa do manipulador” (Fabbrini, 1991, pp. 103-4). Avatar de uma prática eminentemente estética, Clark investe na experimentação de um constructo espácio-temporal alternativo como “propedêutica” para um outro tipo de vivência política. Tanto que em 1968, em Paris, ela própria decretaria: “Somos os propositores: enterramos a ‘obra de arte’ como tal e solicitamos a vocês que o pensamento viva pela ação” (Clark, 2006).



Lygia Clark, Arquiteturas biológicas, 1969.


Não é decerto gratuito que, numa correspondência de outubro do mesmo ano, enviada do Rio, Hélio Oiticica recomende a leitura de Eros e civilização à amiga: “você deve ler isso pois tem muito a ver com seu pensamento” (Clark; Oiticica, 1998, p. 44). Que se recorde que, nesta obra, Marcuse formaliza a crítica ao princípio de realidade constituído – ou seja, ao princípio de desempenho –, defendendo, contra Freud, a possibilidade de uma civilização não-repressiva, mediada pela dimensão estética.

Este texto é parte integrante do trabalho "Sobre a proposta de um ethos estético não-repressivo: ressonâncias marcusianas em Lygia Clark e Hélio Oiticica", apresentado no Congresso Internacional Estéticas do Deslocamento, realizado de 15 a 18 de maio de 2007, em Belo Horizonte.

quarta-feira, maio 23, 2007

Do Conceito à Proposição


Hélio Oiticica e Neville de Almeida, CC5 Hendrix-War, 1973.

Propor propor: a redundância da expressão assinala o desisteresse de Hélio Oiticica em produzir 'obras de arte' para a instituição artística. Ele não somente deixa de ser 'produtor' de objetos para a sociedade de consumo, mas ainda propõe 'práticas', isto é, 'situações a serem vividas'.

In: Dwek, Zizette. Glossário do Programa Ambiental de Hélio Oiticica. São Paulo, 2003, p. 138.

quarta-feira, maio 09, 2007

O Envelhecimento do Moderno

ENTREVISTA com VLADIMIR SAFATLE, por Juliano Gentile e Thais Rivitti

Número: É possível pensar num programa estético crítico hoje?

VS: Para uma reformulação do pensamento no campo das artes, deve-se partir do pressuposto de que há uma forma crítica que esgotou sua função porque a realidade social a ultrapassou. A forma crítica do modernismo clássico se baseava numa certa dinâmica de desvelamento. O fato é que a própria realidade social já opera esse desvelamento, pois é auto-irônica. A ideologia ironiza os conteúdos que ela mesma põe. Essa é a dificuldade que se apresenta.


Desktop inspirado na capa da Revista Piauí de novembro de 2006.

O primeiro passo é reconstituir a forma da ideologia na contemporaneidade. Ideologia não é um termo que deva ser abandonado, mas tem uma forma muito particular de operar hoje. O segundo passo seria não estabelecer de forma programática o que deve ser feito, quais devem ser as formas da crítica. Temos que nos voltar à produção estética contemporânea, acostumarmos a fazer análises de obras, até encontrar na particularidade da obra algo que possa ser modelo para a constituição de um programa crítico. Neste sentido, eu diria, no sentido mais forte do termo, que a arte pensa. Cabe à reflexão filosófica apenas uma análise imanente, ou seja, pensar as obras através dos dispositivos que elas próprias sintetizam. Ou seja, sua pergunta só pode ser respondida pelo estado das obras, e não pela articulação prévia de programas.

Trecho de entrevista publicada no Fórum Permanente. Para ler o conteúdo na íntegra, clique no título deste post.

Second Life: Marcas e Mundos Virtuais

As guerras econômicas tornaram-se guerras estéticas, guerras pela “colonização” dos modos de percepção.

Por Abel Reis


Loja da Adidas no SL onde são vendidos modelos especiais para os avatares.

As marcas assumem aqui outro papel. O papel de fabricar sensibilidades; vale dizer, de difundir conhecimento, enfatizar valores, propor crenças e instilar desejos. Desse modo, marcas não são apenas referências de confiança, marcas passaram à missão de construir a atmosfera ideológica e cultural propícias ao consumo. E, ao fazê-lo, forjam as próprias condições de possibilidade da produção econômica.

Marcas tornam-se assim máquinas abstratas orientadas efetivamente para a produção de significação, de enunciados imperativos, de signos que mobilizem e capturem a atenção, a afeição e a memória dos consumidores.

Pode-se então dizer que, nesse novo espaço das guerras estéticas, marcas vencedoras serão aquelas que construírem “mundos”. Mundos de enunciados e signos que inscrevam o consumidor numa rede de significações. Mundos nos quais, para o consumidor, o ato de consumir seja um ato de pertencer.



Reveillon da Philips realizado no Second Life.

Trecho de matéria originalmente publicada no Dossiê Novo Mundo/Second Life, de Trópico. Para ler o texto na íntegra, clique no título deste post.

segunda-feira, maio 07, 2007

Nothing

Empresa da Inglaterra vende Nada por R$ 15



Uma empresa inglesa colocou à venda na Internet um pacote de Nada. Por 3,49 libras, cerca de R$ 15, o internauta pode adquirir o produto.

Nada vem em uma embalagem de plástico esférica. Dentro do pacote existe exatamente a mesma coisa que fora: ar. De acordo com o "fabricante", Nada mede 17 cm x 9 cm x 7 cm e é apropriado apenas para idades acima de 14 anos.

O produto pode ser adquirido no site http://www.iwantoneofthose.com/nothing/index.html.

Matéria originalmente publicada por Terra, em 05/05/2007.

sexta-feira, maio 04, 2007

Os Cantos de Maldoror


Salvador Dalí. (Spanish, 1904-1989). Plate (facing page 92) from Les Chants de Maldoror by Comte de Lautréamont. 1934. Illustrated book with forty-two photogravure and drypoints, plate: 8 13/16 x 6 3/4" (22.4 x 17.2 cm). Publisher: Albert Skira, Paris. Printer: Lacourière, Paris. Edition: 200 announced; 100 printed. The Louis E. Stern Collection. © 2007 Salvador Dalí, Gala-Salvador Dalí Foundation/Artists Rights Society (ARS), New York

Moderno&Contemporâneo