terça-feira, novembro 30, 2010

Aurélia, de Gérard de Nerval

"O sonho é uma segunda vida. Eu não pude transpor essas portas de cornucópia ou marfim que nos separam do mundo invisível sem deixar de estremecer. Os primeiros instantes do sono são a imagem da morte; um entorpecimento nebuloso apodera-se de nosso pensamento e não podemos determinar o instante preciso em que o Eu, sob uma outra forma, prossegue a obra da existência. Um vago subterrâneo ilumina-nos aos poucos, e da sombra e da noite desprendem-se as pálidas figuras gravemente imóveis que habitam a morada dos limbos. Depois o quadro se forma, uma nova claridade ilumina essas aparições extraordinárias, animando-as: o mundo dos Espíritos se abre para nós.

Swedenborg chamava tais visões de Memorabilia. Ele as atribuía com mais frequência ao devaneio do que ao sono; O asno de ouro de Apuleu, a Divina comédia de Dante, são os modelos poéticos desses estudos da alma humana. Tentarei, a exemplo deles, transcrever as impressões de uma longa doença ocorrida nos mistérios de meu espírito -- não sei por que me sirvo deste termo doença, pois jamais, no que me concerne, passei tão bem de saúde. Às vezes eu me sentia duplamente mais forte e ativo; parecia-me saber tudo, compreender tudo; a imaginação trazia-me delícias infinitas. Recobrando o que os homens chamam de razão, não deveria eu lamentar tê-las perdido?..."

Gérard de Nerval. Aurélia.
(São Paulo, Iluminuras, 1991, p. 35)

segunda-feira, novembro 29, 2010

A Ofélia de Delacroix


Eugène Delacroix, A morte de Ofélia, 1838.

domingo, novembro 28, 2010

A Descoberta do Diálogo

"Uns quinhentos anos antes da era cristã aconteceu na Magna Grécia a melhor coisa registrada na história universal: a descoberta do diálogo. A fé, a certeza, os dogmas, os anátemas, as preces, as proibições, as ordens, os tabus, as tiranias, as guerras e as glórias assediavam o orbe; alguns gregos contraíram, nunca saberemos como, o singular costume de conversar. Duvidaram, persuadiram, discordaram, mudaram de opinião, adiaram. Quiçá foram ajudados por uma mitologia, que era, como o Shinto, um conjunto de fábulas imprecisas e de cosmogonias variáveis. Essas dispersas conjecturas foram a primeira raíz do que hoje chamamos, não sem pompa, de metafísica. Sem esses poucos gregos conversadores, a cultura ocidental é inconcebível".

Jorge Luis Borges e Osvaldo Ferrari. Sobre a amizade e outros diálogos.
(São Paulo, Hedra, 2009, p. 21).

sexta-feira, novembro 26, 2010

Fragmentos Críticos, por Friedrich Schlegel

"Naquilo que se chama filosofia da arte falta habitualmente uma das duas: ou a filosofia, ou a arte".

Friedrich Schlegel. O dialeto dos fragmentos.
(São Paulo, Iluminuras, 1997, p. 22)

quinta-feira, novembro 25, 2010

O Livro do Chá, por Kakuzo Okakura

"O chá é uma obra de arte e necessita de uma mão magistral para revelar suas qualidades mais nobres. Existem chás bons e ruins, assim como há pinturas boas e medíocres -- estas geralmente em maior número. Não há uma receita única para se preparar o chá perfeito, da mesma maneira que não há regras para se produzir um Ticiano ou um Sesson. Cada preparado das folhas tem sua individualidade, sua afinidade específica com a água e o calor, memórias hereditárias a relembrar, e seu próprio método de contar uma história. O verdadeiramente belo deve estar sempre nele. Quanto não sofremos pela constante falha da sociedade em reconhecer esta simples e fundamental lei de arte e vida. Lichihlai, um poeta da dinastia Sung, observou com tristeza que havia três coisas extremamente deploráveis no mundo: estragar jovens promissores em decorrência de uma educação incorreta, degradar pinturas de qualidade pela admiração vulgar e desperdiçar totalmente um bom chá por manipulação incompetente".

Kakuzo Okakura. O livro do chá.
(São Paulo, Estação Liberdade, 2008, p. 41-42).

terça-feira, novembro 23, 2010

Odilon Redon, 1888


Odilon Redon,"Pl.III. … et un grand oiseau, qui descend du ciel,
vient s'abattre sur le sommet de sa chevelure…", 1888.

domingo, novembro 21, 2010

Arte sem Arte, por Ferreira Gullar


Lygia Clark, Bicho, 1960.

"NÃO TENHO a pretensão de estar sempre certo no que escrevo, nas opiniões que emito, muito embora acredite seriamente nelas.

Não foi à toa que, de gozação, me apelidaram de profissional do pensamento, por tanto atazanar os amigos com minhas indagações e tentativas de explicação. Por isso também volto a certos temas, desde que descubra, ao repensá-los, modos outros de enfocá-los e entendê-los.

Se há um tema sobre o qual estou sempre indagando é a situação atual das artes plásticas, precisamente porque exorbitaram os limites do que -segundo meu ponto de vista- se pode chamar de arte.

Sei muito bem que alguém pode alegar que arte não se define e que toda e qualquer tentativa de fazê-lo contraria a natureza mesma da arte. Esse é um argumento ponderável e muito usado ultimamente, mas acerca do qual levanto dúvidas.

Concordo com a tese de que arte não se define, mas não resta dúvida de que, quando ouço Mozart, sei que é música e, quando vejo Cézanne, sei que é pintura. Logo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de definir o que é arte não elimina o fato de que as obras de arte têm qualidades específicas que as distinguem do que não o é.

Do contrário, cairíamos numa espécie de vale-tudo, numa posição insustentável mesmo para o mais radical defensor do que hoje se intitula de arte contemporânea.

Isto é, o sujeito teria de admitir que uma pintura medíocre tem a mesma qualidade expressiva que uma obra-prima e que ele mesmo teria de se obrigar a gostar indistintamente de toda e qualquer coisa que lhe fosse apresentada como arte. Por mais insensato que possa ser alguém na defesa de uma tese qualquer, não poderia evitar que esta ou aquela coisa que vê ou ouve ou lê tenha a capacidade maior ou menor de sensibilizá-lo, emocioná-lo ou deixá-lo indiferente.

Creio não haver dúvida de que, seja ou não possível definir o que é arte, há coisas que nos emocionam ou nos fascinam ou nos deslumbram e outras que nos deixam indiferentes.

Se se der ou não a tais coisas a qualificação de arte, pouco importa: é inegável que a "Bachiana nº 4" é belíssima e que um batecum qualquer não se lhe compara, não nos dá o prazer que aquela obra de Villa-Lobos nos dá.

Do mesmo, um desenho de Marcelo Grassmann me encanta e um desenho medíocre me deixa indiferente. Mas um artista conceitual -ou que outras qualificação se lhe dê- responderá que esta visão minha é velha, ultrapassada, pois ainda leva em conta valores estéticos, enquanto a nova arte não liga mais para isso. Mas pode haver arte sem valor estético? Arte sem arte?

Essa pergunta me leva à experiência radical de Lygia Clark (1920-1988), sob muitos aspectos antecipadora do que hoje se chama arte conceitual.

Dando curso à participação do espectador na obra de arte -elemento fundamental da arte neoconcreta-, chega à conclusão de que pode ele ir além, de espectador-participante a autor da obra, bastando, por exemplo, cortar papel ou provocar em si mesmo sensações táteis ou gustativas. Assim atingimos, diz ela, o singular estado de arte sem arte.

De fato, esse rumo tomado por alguns artistas resultou da destruição da linguagem estética e na entrega a experiências meramente sensoriais, anteriores portanto a toda e qualquer formulação.

Descartando assim a expressão estética, concluíram que se negar a realizar a obra é reencontrar as fontes genuínas da arte. E, se o que se chama de arte é o resultado de uma expressão surgida na linguagem da pintura, da gravura ou da escultura, buscar se expressar sem se valer dessa linguagem seria fazer arte sem arte ou, melhor dizendo, ir à origem mesma da expressão.

Isso nos leva, inevitavelmente, a perguntar se toda expressão é arte. Exemplo: se amasso uma folha de papel, o que daí resulta é uma forma expressiva; pode-se dizer que se trata de uma obra de arte? Se admito que sim, todo mundo é artista e tudo o que se faça é arte.

Já eu considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Leonardo da Vinci e de Vincent van Gogh ou que esse talento seja apenas mais um preconceito inventado pelos antigos. As pessoas são iguais em direitos, mas não em qualidades."

Texto originalmente publicado no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2010.

sábado, novembro 20, 2010

Loucos e Santos, por Oscar Wilde

"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer,
mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças
e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto;
e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos,
nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril".

****

"I choose my friends not by their skin or other archetype, but by the pupil.
They have to have questioning shine and unsettled tone.
I'm not interested in the good spirits or the ones with bad habits.
I'll stick with the ones that are made of me being crazy and blessed.
From them, I don't want an answer, I want to be reviewed.
I want them to bring me doubts and fears and to tolerate the worst of me.
But that only being crazy.
I want saints, so they dount doubt differences and ask for forgiveness for injustices.
I choose my friends for their clean face and their soul exposed.
I don't just want a man or a skirt, I also want his greatest happiness.
A friend that doesn't laugh together doesn't know how to cry together.
All my friends are like that, half foolish, half serious.
I don't want forseen laughter or cries full of pity.
I want serious friends, those that make reality their fountain of knowledge, but that fight to keep fantasy alive.
I don't want adult or boring friends.
I want half kids and half elderly.
Kids, so they don't forget the value of the wind blowing on their faces and elderly people so they're never in a hurry.
I have friends to know who I am.
Then seeing them as clowns and serious, crazy and saints, young and old, I will never forget that 'normalcy' is a steril and imbecil illusion".

Oscar Wilde. The Complete Works of Oscar Wilde.
(London, Harper Perennial Modern Classics Edition, 2008).

sexta-feira, novembro 19, 2010

A História de Peter Schlemihl


Concebido pelo romântico Adelbert von Chamisso, este conto fantástico narra a história de Peter Schlemihl, um jovem de pernas longas que negocia sua sombra com o Diabo em troca de uma inesgotável fortuna. Ilustração de G. Cruikshank, 1827.

"De que valeriam asas a alguém preso por correntes de ferro? Ainda mais medonho seria o meu desespero. Estava, como Faffner [dragão que nas sagas germânicas guarda o tesouro dos Nibelungos] junto a seu tesouro, distante de todo apoio humano, definhando com o ouro pelo qual não tinha amor nenhum, mas que amaldiçoava, pois por sua causa me via apartado da vida. Alimentando na solidão meu lúgubre segredo, sentia medo até do mais desprezível dos meus criados, ao mesmo tempo em que o invejava, pois ele tinha uma sombra e podia mostrar-se ao sol. Passava, solitário, dias e noites em meus aposentos, tornando-me cada vez mais triste, e a dor ia corroendo meu coração".

Adelbert von Chamisso. A História Maravilhosa de Peter Schlemihl.
(São Paulo, Estação Liberdade, 2003, p. 53)

quarta-feira, novembro 17, 2010

O Labirinto de Borges

O fio que a mão de Ariadne deixou na mão de Teseu (na outra estava a espada) para que este adentrasse o labirinto e descobrisse o centro, o homem com cabeça de touro ou, como quer Dante, o touro com cabeça de homem, e o matasse e pudesse, já executada a proeza, destecer as redes de pedra e voltar para ela, para seu amor.

As coisas aconteceram assim. Teseu não podia saber que do outro lado do labirinto estava o outro labirinto, o do tempo, e que em algum lugar prefixado estava Medeia.

O fio se perdeu; o labirinto perdeu-se, também. Agora nem sequer sabemos se nos rodeia um labirinto, um secreto cosmos ou um caos fortuito. Nunca daremos com o fio; talvez o encontremos para perdê-lo em um ato de fé, em uma cadência, no sonho, nas palavras que se chamam filosofia ou na pura e simples felicidade.

Cnossos, Grécia, 1984.

Jorge Luis Borges. "O fio da fábula", in: Obras completas, vol. III.
(São Paulo: Globo, 1999, p. 540).

terça-feira, novembro 16, 2010

Doktor Faust, 1851


Capa do livro publicado por Heinrich Heine. Der Doktor Faust. Ein Tanzpoem, nebst kuriosen Berichten über Teufel, Hexen und Dichtkunst. Hamburg: Hoffmann und Campe 1851.

sábado, novembro 13, 2010

Elogio da Loucura, por Erasmo de Roterdã


Hans Holbein, Retrato de Erasmo de Roterdã escrevendo, 1523.

"Depois deles [juristas, dialéticos e sofistas], vem os filósofos, homens muito respeitáveis, seguramente, pela barba e o manto, homens que se orgulham de ser os únicos sábios da terra e que olham os outros homens como sombras vãs que se agitam na superfície do globo. Que prazer sentem eles quando, em seu delírio filosófico, criam no universo uma quantidade inumerável de mundos diversos; quando nos dão a grandeza do sol, da lua, das estrelas e das outras esferas com tanta exatidão como se as tivessem medido com uma régua ou com um barbante; quando nos explicam as causas do trovão, dos ventos, dos eclipses e outros fenômenos inexplicáveis, falando sempre com tanta confiança como se tivessem sido os secretários da natureza quando ela ordenou o mundo, ou como se acabassem de chegar do conselho dos deuses! Mas essa natureza, infinitamente acima de todas as pequenas ideias dos filósofos, zomba deles e de suas conjecturas. Uma prova bastante evidente de que não possuem nenhum conhecimento certo é que mantêm entre si, sobre suas diferentes opiniões, disputas das quais nada se pode compreender. Não sabem absolutamente nada e orgulham-se de saber de tudo. Não conhecem nem a si próprios; às vezes a fraqueza de sua visão ou a distração de seu espírito divagador faz que não vejam um buraco ou uma pedra logo à frente de seu caminho. No entanto, a ouvi-los, eles enxergam perfeitamente as ideais, os universais, as formas substanciais, a matéria primeira, as quididades, as entidades, coisas tão minúsculas que não creio que um lince pudesse jamais percebê-las. Com que desprezo, sobretudo, não consideram o vulgo profano, quando sobrepõem, uns sobre os outros, triângulos, círculos, quadrados e uma infinidade de outras figuras matemáticas entrelaçadas em forma de labirinto, ou quando, acrescentando a essas figuras letras dispostas em ordem de batalha, combinadas e recombinadas de mil maneiras diferentes, lançam trevas sobre as coisas mais claras e as tornam incompreensíveis aos ignorantes que os escutam! Vários deles, inclusive, orgulham-se de ler o futuro nos astros e prometem coisas que a maior mágico não ousaria prometer. Loucos felizes, que encontram gente bastante tola para acreditar neles!"

Desidério Erasmo, Elogio da loucura.
(Porto Alegre: L&PM, 2008, pp. 84-85.)

quinta-feira, novembro 11, 2010

Criar é redimir o acaso

"Eu caminho entre os homens como entre fragmentos do futuro que contemplo.
Pois nisso consiste todo o meu Criar e Buscar: eu componho e junto em um o que é fragmento e enigma e medonho acaso.
Pois como suportaria eu ser homem, não fosse o homem também criador, decifrador de enigmas e redentor do acaso?
Redimir os que passaram e transmutar todo 'Foi' em um 'Assim o quis' -- isto sim seria para mim redenção".

Friedrich Nietzsche. Ecce homo. Como alguém se torna o que é.
(São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 89)

quarta-feira, novembro 10, 2010

A Gaia Ciência, por Friedrich Nietzsche

"LEVAR A SÉRIO -- O intelecto é, na grande maioria das pessoas, uma máquina pesada, escura e rangente, difícil de por em movimento; chamam de 'levar a coisa a sério', quando querem trabalhar e pensar bem com essa máquina -- oh, como lhes deve ser incômodo o pensar bem! A graciosa besta humana perde o humor, ao que parece, toda vez que pensa bem; ela fica 'séria'! E 'onde há riso e alegria, o pensamento nada vale': -- assim diz o preconceito dessa besta séria contra toda 'gaia ciência'-- Muito bem! Mostremos que é um preconceito!"

Friedrich Nietzsche. A gaia ciência.
(São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 217).

quarta-feira, novembro 03, 2010

terça-feira, novembro 02, 2010

A Igreja do Diabo, por Machado de Assis

Capítulo I
De uma idéia mirífica


Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de
fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.

— Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra
breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.

Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto
magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo:

— Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

Machado de Assis. "A igreja do diabo", in: 50 contos de Machado de Assis. (São Paulo: Companhia das letras, 2008, p. 183). Para ter acesso à íntegra do texto, clique no título deste post.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Livros & Livros

"De que vale um livro que não nos transporte além dos livros?"

Friedrich Nietzsche. A gaia ciência,
(São Paulo, Companhia das letras, 2002, p. 181).