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quarta-feira, setembro 14, 2011
quarta-feira, junho 15, 2011
segunda-feira, fevereiro 28, 2011
quarta-feira, fevereiro 23, 2011
Mulheres, perfumes, belas flores...

Odilon Redon, Jovens em flor, 1905-1912.
"Alegria aparece para mim como a finalidade da vida e a única coisa útil no mundo. Deus também a quer: ele criou mulheres, perfumes, luz, belas flores, bons vinhos, cabelos cacheados, lábios, gatos angorás; ele não disse a seus anjos: tenham Virtude, e sim: amem!"
(Théophile Gautier)
segunda-feira, janeiro 31, 2011
terça-feira, janeiro 11, 2011
A Arte e os Enigmas do Mundo

Édipo e a Esfinge de Tebas, c. 470 a.C., Museo Gregoriano Etrusco, Vaticano.
"As obras de arte têm seus alicerces nos enigmas que o mundo organizado propõe para devorar os homens. O mundo é a esfinge; o artista, seu Édipo tornado cego; e as obras de arte se parecem com a sábia resposta que precipita a esfinge nos abismos. Desta maneira, toda arte está contra a mitologia. Em seu 'material' natural está sempre contida a 'resposta', a única resposta possível e exata, mas nunca separada da própria obra".
Theodor W. Adorno. Filosofia da nova música.
(São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 106)
quarta-feira, dezembro 15, 2010
O Inferno de Dante, por Botticelli

Sandro Botticelli, Inferno, Canto XVIII, 1480.
O oitavo círculo, que Dante chama "Malebolge" (literalmente, maus bornais), é constituído de dez valas concêntricas separadas por diques, sobre os quais se apóia uma ponte de pedra que os interliga desde a primeira vala periférica até a cava central. Em cada vala é punida uma categoria de fraude: na primeira estão os rufiões e os sedutores, separadas em duas filas que circulam em sentido contrário. Na primeira, Dante reconhece Venedico Cacianemico e na segunda Jasão. Na segunda vala, sobre a qual os poetas chegam passando pela ponte, Dante tem a visão dos aduladores que estão imersos no esterco. Aí Dante encontra Alessio Interminei e Virgílio lhe indica Taís.
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia: Inferno.
(São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 127).
segunda-feira, novembro 29, 2010
domingo, novembro 21, 2010
Arte sem Arte, por Ferreira Gullar

Lygia Clark, Bicho, 1960.
"NÃO TENHO a pretensão de estar sempre certo no que escrevo, nas opiniões que emito, muito embora acredite seriamente nelas.
Não foi à toa que, de gozação, me apelidaram de profissional do pensamento, por tanto atazanar os amigos com minhas indagações e tentativas de explicação. Por isso também volto a certos temas, desde que descubra, ao repensá-los, modos outros de enfocá-los e entendê-los.
Se há um tema sobre o qual estou sempre indagando é a situação atual das artes plásticas, precisamente porque exorbitaram os limites do que -segundo meu ponto de vista- se pode chamar de arte.
Sei muito bem que alguém pode alegar que arte não se define e que toda e qualquer tentativa de fazê-lo contraria a natureza mesma da arte. Esse é um argumento ponderável e muito usado ultimamente, mas acerca do qual levanto dúvidas.
Concordo com a tese de que arte não se define, mas não resta dúvida de que, quando ouço Mozart, sei que é música e, quando vejo Cézanne, sei que é pintura. Logo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de definir o que é arte não elimina o fato de que as obras de arte têm qualidades específicas que as distinguem do que não o é.
Do contrário, cairíamos numa espécie de vale-tudo, numa posição insustentável mesmo para o mais radical defensor do que hoje se intitula de arte contemporânea.
Isto é, o sujeito teria de admitir que uma pintura medíocre tem a mesma qualidade expressiva que uma obra-prima e que ele mesmo teria de se obrigar a gostar indistintamente de toda e qualquer coisa que lhe fosse apresentada como arte. Por mais insensato que possa ser alguém na defesa de uma tese qualquer, não poderia evitar que esta ou aquela coisa que vê ou ouve ou lê tenha a capacidade maior ou menor de sensibilizá-lo, emocioná-lo ou deixá-lo indiferente.
Creio não haver dúvida de que, seja ou não possível definir o que é arte, há coisas que nos emocionam ou nos fascinam ou nos deslumbram e outras que nos deixam indiferentes.
Se se der ou não a tais coisas a qualificação de arte, pouco importa: é inegável que a "Bachiana nº 4" é belíssima e que um batecum qualquer não se lhe compara, não nos dá o prazer que aquela obra de Villa-Lobos nos dá.
Do mesmo, um desenho de Marcelo Grassmann me encanta e um desenho medíocre me deixa indiferente. Mas um artista conceitual -ou que outras qualificação se lhe dê- responderá que esta visão minha é velha, ultrapassada, pois ainda leva em conta valores estéticos, enquanto a nova arte não liga mais para isso. Mas pode haver arte sem valor estético? Arte sem arte?
Essa pergunta me leva à experiência radical de Lygia Clark (1920-1988), sob muitos aspectos antecipadora do que hoje se chama arte conceitual.
Dando curso à participação do espectador na obra de arte -elemento fundamental da arte neoconcreta-, chega à conclusão de que pode ele ir além, de espectador-participante a autor da obra, bastando, por exemplo, cortar papel ou provocar em si mesmo sensações táteis ou gustativas. Assim atingimos, diz ela, o singular estado de arte sem arte.
De fato, esse rumo tomado por alguns artistas resultou da destruição da linguagem estética e na entrega a experiências meramente sensoriais, anteriores portanto a toda e qualquer formulação.
Descartando assim a expressão estética, concluíram que se negar a realizar a obra é reencontrar as fontes genuínas da arte. E, se o que se chama de arte é o resultado de uma expressão surgida na linguagem da pintura, da gravura ou da escultura, buscar se expressar sem se valer dessa linguagem seria fazer arte sem arte ou, melhor dizendo, ir à origem mesma da expressão.
Isso nos leva, inevitavelmente, a perguntar se toda expressão é arte. Exemplo: se amasso uma folha de papel, o que daí resulta é uma forma expressiva; pode-se dizer que se trata de uma obra de arte? Se admito que sim, todo mundo é artista e tudo o que se faça é arte.
Já eu considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Leonardo da Vinci e de Vincent van Gogh ou que esse talento seja apenas mais um preconceito inventado pelos antigos. As pessoas são iguais em direitos, mas não em qualidades."
Texto originalmente publicado no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2010.
quarta-feira, novembro 03, 2010
segunda-feira, outubro 25, 2010
Inhotim, Brumadinho, MG, 2010
Vista panorâmica de Inhotim, Brumadinho, MG, Brasil.
Galeria True Rouge, Inhotim, Brumadinho, Brasil.
Doug Aitken, Pavilhão Sônico, 2008, Inhotim, Brasil.
Matthew Barney, De lama lâmina, 2009, Inhotim, Brasil.
Edgard de Souza, s/ título, 2000, Inhotim, Brasil.
Hélio Oiticica, Magic Square n. 5 -- De Luxe, 1978, Inhotim, Brasil.
Yayoi Kusama, Narcissus Garden, 2009, Inhotim, Brasil.
Yayoi Kusama, Narcissus Garden, 2009, Inhotim, Brasil.
Adriana Varejão, Panaceia Fantástica, Inhotim, Brasil.
Chris Burden, Beam Drop Inhotim, 2008, Inhotim, Brasil.
Para acessar o site oficial do Instituto Cultural Inhotim, clique no título deste post.
domingo, setembro 26, 2010
quinta-feira, setembro 09, 2010
sexta-feira, agosto 27, 2010
A Arte é Alegre?
Theodor W. Adorno
1
O prólogo ao Wallenstein, de Schiller, termina com o seguinte verso: "Séria é a vida, alegre é a arte". Foi inspirada pelos versos de Ovídio, em Tristia: "Vita verecunda est, Musa jocosa mihi", ou "Minha vida é contida, a musa me é um divertimento". Talvez se possa atribuir um intento a Ovídio, o alegre poeta clássico. Ele, cuja vida era tão liberta que pareceu insuportável ao regime de Augusto, piscasse gaiatamente a seus patronos, pois ao mesmo tempo em que compunha sua alegre obra literária Ars Amandi simulava certo arrependimento para dar a entender que estava resolvido a assumir uma vida de seriedade, pois retornava do exílio. Para ele, isso era quase um pedido de perdão. Mas Schiller, poeta oficial do idealismo alemão, não queria tocar nessa disputa latina. Sua afirmativa aponta o dedo, mas não indica nada. Por isso, torna-se plenamente ideológica e passa a integrar o tesouro doméstico do burguês, como citação disponível para qualquer ocasião apropriada. Pois confirma a estabelecida e popular distinção entre trabalho e tempo livre. Algo que remonta aos prosaicos tormentos do trabalho escravo e à bem justificada aversão por ele afirma-se como lei eterna de duas esferas claramente separadas. Nenhuma deve imiscuir-se na outra. Justamente por seu edificante descompromisso, a arte deve ser incorporada à vida burguesa e a ela subordinada como seu complemento antagônico. Já se pode prever a organização do tempo livre que daí resultará: um Jardim de Elísio, onde crescem as rosas celestes, que deverão ser cuidadas pelas mulheres em suas vidas terrenas, tão abomináveis. Ao filósofo idealista oculta-se a possibilidade de que as coisas possam em algum tempo se transformarem realmente. Ele está preocupado com os efeitos da arte. Com toda a nobreza de seus gestos, Schiller no fundo antecipa a situação da indústria cultural quando a arte é receitada como vitaminas a cansados homens de negócios. Hegel foi, no auge do idealismo alemão, o primeiro que se opôs a uma estética de resultados que vinha desde o século XVIII e que incluía Kant, defendendo a afirmativa de que a arte não era um mecanismo para instruir ou para ser , à Horácio, um deleite.
2
Mas há algo de verdade na trivialidade da alegria da arte. Se ela não fosse, sob alguma mediação qualquer, fonte de alegria para muitos homens, não teria conseguido sobreviver na mera existência que contradiz e a que opõe resistência. Mas isto não lhe é algo do exterior e, sim, uma parte integrante de sua própria definição. Embora não se refira à sociedade, a fórmula kantiana de "finalidade sem fim" alude a isto. A não-finalidade da arte é escapar da coerção da auto-preservação. A arte incorpora algo como liberdade no seio da não-liberdade. O fato de, por sua própria existência, desviar-se do caminho da dominação a coloca como parceira de uma promessa de felicidade, que ela, de certa maneira, expressa em meio ao desespero. Mesmo nas peças de Beckett, a cortina se levanta como num cenário de Natal. Em seu esforço para se desembaraçar de seus elementos miméticos, a arte trabalha em vão para libertar-se do resíduo de prazer, suspeito de trazer um toque de concordância. Por tais razões, a tese da alegria da arte tem que ser tomada num sentido muito preciso. Vale para a arte como um todo, não para trabalhos individuais. Estes podem ser totalmente destituídos de alegria, em conformidade com os horrores da realidade. O alegre na arte é, se quisermos, o contrário do que se poderia levianamente assumir como tal: não se trata de seu conteúdo, mas de seu procedimento, do abstrato de que sobretudo é arte por abrir-se à realidade cuja violência ao mesmo tempo denuncia. Daí o pensamento do filósofo Schiller, que reconheceu a alegria da arte no lúdico e não em seu conteúdo espiritual, mesmo quando transcenda o idealismo. A priori, antes de suas obras, a arte é uma crítica da feroz seriedade que a realidade impõe sobre os seres humanos. Ao dar nome a esse estado de coisas, a arte acredita que está soltando amarras. Eis sua alegria e também, sem dúvida, sua seriedade ao modificar a consciência existente.
3
Mas a arte, como forma de conhecimento recebe todo seu material e suas formas da realidade – em especial da sociedade – para transformá-la, acaba embaraçando-se em contradições irreconciliáveis. Sua profundidade mede-se pelo fato de poder ou não, pela reconciliação que suas leis formais trazem às contradições, destacar a real irreconciliação. Vibra a contradição em suas mais remotas mediações como nos mais extremos pianíssimos da música estrondam os horrores da realidade. Onde a fé na cultura canta, com futilidade, louvores da harmonia musical, como em Mozart, esta mostra uma dissonância quanto às dissonâncias da realidade, as quais toma como conteúdo. Eis a tristeza em Mozart. Somente pela transformação do contraditório como negativamente preservado, é que a arte se realiza, o que é desmentido assim que a arte é glorificada como algo que ultrapassa o que existe, independente de seu contrário. As tentativas de definir o que seja kitsch costumam falhar, mas talvez não fosse a pior definição aquela que tomasse como critério do válido ou do kitsch o fato de que uma obra de arte, ao expressar oposição à realidade, consiga dar forma à consciência da contradição ou opte pela ilusão de que a dissolve. É, com esse critério, que se deve ver a seriedade de toda obra de arte. Como algo que escapa da realidade e, no entanto, nela está imersa, a arte vibra entre a seriedade e a alegria. É esta tensão que constitui a arte.
4
O significado desse movimento contraditório entre a alegria e a seriedade da arte – sua dialética – pode ser explicado com simplicidade através de dois dísticos de Hölderlin, que o poeta – intencionalmente, com certeza – colocou juntos. O primeiro, intitulado "Sofocles", diz:
"Muitos tentam, em vão, dizer o mais alegre alegremente
E eis que, então, se expressa a mim, tão tristemente"2
A alegria do trágico deve ser buscada não no conteúdo místico de seus dramas, talvez nem mesmo na reconciliação que ele confere ao mito, mas, de preferência, no que seu dizer, no seu expressar-se3. As duas expressões sublinhadas estão empregadas enfaticamente nos versos de Hölderlin.
O segundo dístico selecionado traz o título de "O engraçadinho":
"Sempre brincam e fazem piadas? Precisam? Oh, amigos! A mim
atinge-me a alma, pois só os desesperados fazem assim!"4
Onde a arte se pretende por si mesma ser alegre e, com isso, tenta adaptar-se a um uso a que, segundo Hölderlin, nada de sagrado pode mais servir, acaba reduzida a simples necessidade humana, traindo seu conteúdo de verdade. Sua vivacidade disciplinada adapta-se ao mecanismo do mundo. Encoraja os seres a se deixarem levar pelo que é status quo, a colaborar. Eis a forma do desespero objetivo. Se tomamos o dístico com seu devido peso, indica o caráter afirmativo da arte. Desde aquela época, sob o ditames da indústria cultural, o caráter afirmativo da arte tornou-se onipresente e a brincadeira de espírito apenas uma irônica careta dos anúncios de propaganda.
5
Pois a relação entre o sério e o alegre da arte submete-se a uma dinâmica histórica. O que se pode chamar de alegre na arte é algo que surge, algo impensável nas obras arcaicas ou de conteúdo estritamente teológico. O alegre na arte pressupõe algo como liberdade urbana, o que não surge na burguesia inicial, como em Boccaccio, Chaucer, Rabelais e em Dom Quixote, mas já se faz presente como o elemento que períodos posteriores denominam de clássicos, como distintos do arcaico. O modo como a arte se liberta do obscuro e desesperado mito é essencialmente um processo, não uma escolha fundamental e imutável entre o sério e o alegre. É na alegria da arte que a subjetividade, de início, se conhece em seu próprio interior e se torna consciente. É pela alegria que ela se liberta do enredamento e retorna a si mesma. A alegria tem algo da disponibilidade burguesa, embora compartilhe também do destino histórico da burguesia. O que já foi cômico torna-se irrecuperavelmente estúpido; os mais tardios degeneram-se em amável comportamento de cumplicidade. Por fim, torna-se intolerável. Quem poderia agora rir ainda de Dom Quixote e de sua sádica ironia sobre que se opõe ao princípio de realidade do burguês? O que nas comédias de Aristófanes – hoje, como ontem, geniais – deve ser considerado cômico tornou-se um enigma; a igualdade entre o grosseiro e o cômico só permanece ainda nas regiões provincianas. Quanto mais profundamente a sociedade fracassa na reconciliação que o espírito burguês prometeu como Esclarecimento do mito, tanto mais o cômico é relegado ao Orcus5 e o riso, outrora a imagem da humanidade, regride ao desumano.
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Desde que a arte foi tomada pelo freio da indústria cultural e posta entre os bens de consumo, sua alegria se tornou sintética, falsa, enfeitiçada. Nada de alegre é compatível com o arbitrariamente imposto. A pacificada relação da alegria à natureza não tolera manipulações e cálculos. A distinção que a linguagem faz entre a graça e o gracejo dá conta exatamente desse fato. Onde hoje se vê o divertido é deturpado por ter sido imposto, até os limites ominosos do "no entanto" próprio das tragédias que se consolam de que a vida é assim mesma. A arte, que não é mais possível se não for reflexiva, deve renunciar por si mesma à alegria. A isto é forçada pelo que aconteceu recentemente. A afirmativa de que após Auschwitz não é mais possível escrever poesia, não deve ser cegamente interpretada, mas com certeza depois que Auschwitz se fez possível e que permanece possível no futuro previsível, a alegria despreocupada na arte não é mais concebível. Objetivamente se degenera em cinismo, independentemente de quanto se apóie na bondade e compreensão humanas. Afinal de contas, esta impossibilidade foi sentida pela grande literatura, primeiramente por Baudelaire quase um século antes da catástrofe européia, e depois por Nietzsche bem como pela renúncia ao humor do Círculo Literário de Stefan George. O humor se converteu em polêmica paródia. Ali ele encontra um refúgio temporário enquanto permanecer irreconciliável, sem levar em consideração o conceito de reconciliação que antes era seu parceiro. Pouco a pouco, a forma polêmica do humor também se põe em questão. Não pode mais contar que será compreendida e a polêmica, entre as formas artísticas, não pode sobreviver no vazio. Há alguns anos, houve debates sobre a questão de se saber se o fascismo poderia ser apresentado em formas cômicas ou paródicas sem que isso constituísse um ultraje a suas vítimas. É indiscutível o caráter de tolice, de farsa, de artigo de qualidade inferior de que se revestem os elos entre Hitler e seus adeptos de um lado e a imprensa marron e os dedos-duros de outro lado. Não dá para rir disso. A realidade sangrenta não era um espírito bom ou mal de que se pudesse caçoar. Eram ainda os bons tempos quando, com esconderijos e safadezas num sistema de horror, Hasek escreveu Schwejk. Mas comédias sobre o fascismo iam se tornar cúmplices do tolo modo de pensar que considerou esse regime derrotado por antecipação porque os batalhões mais fortes da história a ele se opunham. Acolher a posição dos vencedores não convém aos adversários do fascismo, que têm o dever de não se assemelharem em nada com aqueles que se entrincheiram naquelas posições. As forças históricas que produzem o terror, nascem da própria estrutura social. Não são de maneira alguma superficiais e são poderosas demais para que alguém se ponha a tratá-las como se estivesse com a história atrás de si e que os Führers fossem, de fato, os palhaços cujas falas assassinas pudessem equiparar-se a disparates.
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Porque, além de tudo, o momento da alegria na liberdade da arte advém da mera existência, que mesmo as obras desesperadas – e sobretudo essas – demonstram: o momento da alegria ou do cômico não se deixa simplesmente expulsar no curso da história. Ele sobrevive em sua autocrítica, como o humor sobre o humor. As vanguardas das obras de arte contemporâneas com traços sem sentido e tolos, que tanto irritam os que possuem uma visão positivista, não são exatamente regressão da arte a um estágio infantil mas sobretudo julgamentos bem humorados sobre o humor. A obra-mestra de Wedekind contra o editor de simplizissimus traz o subtítulo de "Sátira da sátira". Há algo de similar com Kafka, cuja prosa chocante é recebida por muitos de seus intérpretes, dentre os quais Thomas Mann, como humor e cujas relações com Hasek está sendo objeto de estudo por pesquisadores eslovacos. Em especial diante das peças de Beckett, a categoria do trágico cede lugar à risada, pois suas peças cortam todo humor que aceite o status quo. Elas manifestam um estado de consciência que não mais admite a alternativa entre sério e alegre e nem tampouco a mista tragicomédia. O trágico dissolve-se porque são evidentemente inconseqüentes as demandas de uma subjetividade que deveria ser trágica. No lugar da risada instala-se o choro sem lágrimas, o choro seco. O lamento se tornou a tristeza dos olhos ocos e vazios. Resgatado é o humor nas peças de Beckett porque infectam com risadas sobre o risível do rir e sobre o desespero. Esse processo se identifica à redução artística, uma trilha que leva de uma sobrevivência mínima a um mínimo de sobrevivência, que ainda resta. Esse mínimo atenua, talvez para sobreviver-lhe, a catástrofe histórica.
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Na arte contemporânea faz-se evidente um definhar-se da alternativa entre o alegre e o sério, entre o trágico e o cômico e, quase, da vida e da morte. Com isso, a arte nega todo o seu passado, sem dúvida porque a costumeira alternativa expressa uma situação fendida entre a felicidade da vida que continua e a catástrofe, que é o meio de sua sobrevivência. A arte que está além do alegre e do sério pode ser tanto uma cifra da reconciliação quanto do terror, dado o completo desencantamento do mundo. Tal arte corresponde tanto ao desgosto perante a onipresença, seja aberta ou oculta, que faz propaganda da existência, quanto ao drama de alto coturno que, pela repetição do sofrimento, novamente toma partido pela imutabilidade. Diante do passado recentíssimo, a arte não pode ser mais alegre tanto quanto não pode ser séria por completo. Dúvidas se levantam quanto ao fato da arte ter sido mesmo tão séria quanto a cultura propagou aos homens. A arte não pode mais igualar a expressão da tristeza com o que há de mais alegre, como acontecia na poesia de Hölderlin, que se considerava afinado com o Weltgeist.6 O conteúdo de verdade da alegria parece ter se tornado inatingível. Que os gêneros se estejam borrando, que o gesto trágico pareça cômico e que o cômico se torne melancólico combina com isso tudo. O trágico decai porque levanta uma demanda pelo significado positivo da negatividade, o significado que a filosofia chama de negação positiva. Essa demanda não pode ser satisfeita. A arte que penetra no desconhecido, a única forma agora possível, não é séria nem alegre; a terceira oportunidade, no entanto, está encoberta como se mergulhada no nada, cujas figuras são descritas pelas obras de arte de vanguarda.
Notas
1 – "Ist die Kunst heiter?" integra os ensaios de Noten zur Literatur. Gesammelte Schriften 11. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996: 599-606. Tradução de Newton Ramos-de-Oliveira e revisão pela Equipe do Potencial Pedagógico da Teoria Crítica (Antonio Álvaro Zuin, Bruno Pucci e o tradutor).
2 – No original: "Viele versuchen umsonst das Freudigste freudig zu sagen
Hier spricht endlich es mir, hier in der Trauer sich aus"
3 – Contrapõe os verbos "sagen" e "aussprechen" no dístico acima.
4 – No original: "Immer spielt ihr und scherzt? Ihr müßt! O Freude! Mir geht diß
in die Seele, denn diß müssen Verzweifelte nur".
5 – Orcus – na mitologia romana, o reino das sombras, as regiões infernais. (Nota de NRO)
6 – Weltgeist: espírito do tempo. (nota de NRO)
ADORNO, Theodor W. "A arte é alegre?" , In: RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton; ZUIN, Antônio Álvaro Soares; PUCCI, Bruno (Orgs.). Teoria crítica, estética educação. Campinas: Unimep, 2001. Disponível em: http://antivalor.vilabol.uol.com.br/textos/frankfurt/adorno/adorno_06.htm
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O prólogo ao Wallenstein, de Schiller, termina com o seguinte verso: "Séria é a vida, alegre é a arte". Foi inspirada pelos versos de Ovídio, em Tristia: "Vita verecunda est, Musa jocosa mihi", ou "Minha vida é contida, a musa me é um divertimento". Talvez se possa atribuir um intento a Ovídio, o alegre poeta clássico. Ele, cuja vida era tão liberta que pareceu insuportável ao regime de Augusto, piscasse gaiatamente a seus patronos, pois ao mesmo tempo em que compunha sua alegre obra literária Ars Amandi simulava certo arrependimento para dar a entender que estava resolvido a assumir uma vida de seriedade, pois retornava do exílio. Para ele, isso era quase um pedido de perdão. Mas Schiller, poeta oficial do idealismo alemão, não queria tocar nessa disputa latina. Sua afirmativa aponta o dedo, mas não indica nada. Por isso, torna-se plenamente ideológica e passa a integrar o tesouro doméstico do burguês, como citação disponível para qualquer ocasião apropriada. Pois confirma a estabelecida e popular distinção entre trabalho e tempo livre. Algo que remonta aos prosaicos tormentos do trabalho escravo e à bem justificada aversão por ele afirma-se como lei eterna de duas esferas claramente separadas. Nenhuma deve imiscuir-se na outra. Justamente por seu edificante descompromisso, a arte deve ser incorporada à vida burguesa e a ela subordinada como seu complemento antagônico. Já se pode prever a organização do tempo livre que daí resultará: um Jardim de Elísio, onde crescem as rosas celestes, que deverão ser cuidadas pelas mulheres em suas vidas terrenas, tão abomináveis. Ao filósofo idealista oculta-se a possibilidade de que as coisas possam em algum tempo se transformarem realmente. Ele está preocupado com os efeitos da arte. Com toda a nobreza de seus gestos, Schiller no fundo antecipa a situação da indústria cultural quando a arte é receitada como vitaminas a cansados homens de negócios. Hegel foi, no auge do idealismo alemão, o primeiro que se opôs a uma estética de resultados que vinha desde o século XVIII e que incluía Kant, defendendo a afirmativa de que a arte não era um mecanismo para instruir ou para ser , à Horácio, um deleite.
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Mas há algo de verdade na trivialidade da alegria da arte. Se ela não fosse, sob alguma mediação qualquer, fonte de alegria para muitos homens, não teria conseguido sobreviver na mera existência que contradiz e a que opõe resistência. Mas isto não lhe é algo do exterior e, sim, uma parte integrante de sua própria definição. Embora não se refira à sociedade, a fórmula kantiana de "finalidade sem fim" alude a isto. A não-finalidade da arte é escapar da coerção da auto-preservação. A arte incorpora algo como liberdade no seio da não-liberdade. O fato de, por sua própria existência, desviar-se do caminho da dominação a coloca como parceira de uma promessa de felicidade, que ela, de certa maneira, expressa em meio ao desespero. Mesmo nas peças de Beckett, a cortina se levanta como num cenário de Natal. Em seu esforço para se desembaraçar de seus elementos miméticos, a arte trabalha em vão para libertar-se do resíduo de prazer, suspeito de trazer um toque de concordância. Por tais razões, a tese da alegria da arte tem que ser tomada num sentido muito preciso. Vale para a arte como um todo, não para trabalhos individuais. Estes podem ser totalmente destituídos de alegria, em conformidade com os horrores da realidade. O alegre na arte é, se quisermos, o contrário do que se poderia levianamente assumir como tal: não se trata de seu conteúdo, mas de seu procedimento, do abstrato de que sobretudo é arte por abrir-se à realidade cuja violência ao mesmo tempo denuncia. Daí o pensamento do filósofo Schiller, que reconheceu a alegria da arte no lúdico e não em seu conteúdo espiritual, mesmo quando transcenda o idealismo. A priori, antes de suas obras, a arte é uma crítica da feroz seriedade que a realidade impõe sobre os seres humanos. Ao dar nome a esse estado de coisas, a arte acredita que está soltando amarras. Eis sua alegria e também, sem dúvida, sua seriedade ao modificar a consciência existente.
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Mas a arte, como forma de conhecimento recebe todo seu material e suas formas da realidade – em especial da sociedade – para transformá-la, acaba embaraçando-se em contradições irreconciliáveis. Sua profundidade mede-se pelo fato de poder ou não, pela reconciliação que suas leis formais trazem às contradições, destacar a real irreconciliação. Vibra a contradição em suas mais remotas mediações como nos mais extremos pianíssimos da música estrondam os horrores da realidade. Onde a fé na cultura canta, com futilidade, louvores da harmonia musical, como em Mozart, esta mostra uma dissonância quanto às dissonâncias da realidade, as quais toma como conteúdo. Eis a tristeza em Mozart. Somente pela transformação do contraditório como negativamente preservado, é que a arte se realiza, o que é desmentido assim que a arte é glorificada como algo que ultrapassa o que existe, independente de seu contrário. As tentativas de definir o que seja kitsch costumam falhar, mas talvez não fosse a pior definição aquela que tomasse como critério do válido ou do kitsch o fato de que uma obra de arte, ao expressar oposição à realidade, consiga dar forma à consciência da contradição ou opte pela ilusão de que a dissolve. É, com esse critério, que se deve ver a seriedade de toda obra de arte. Como algo que escapa da realidade e, no entanto, nela está imersa, a arte vibra entre a seriedade e a alegria. É esta tensão que constitui a arte.
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O significado desse movimento contraditório entre a alegria e a seriedade da arte – sua dialética – pode ser explicado com simplicidade através de dois dísticos de Hölderlin, que o poeta – intencionalmente, com certeza – colocou juntos. O primeiro, intitulado "Sofocles", diz:
"Muitos tentam, em vão, dizer o mais alegre alegremente
E eis que, então, se expressa a mim, tão tristemente"2
A alegria do trágico deve ser buscada não no conteúdo místico de seus dramas, talvez nem mesmo na reconciliação que ele confere ao mito, mas, de preferência, no que seu dizer, no seu expressar-se3. As duas expressões sublinhadas estão empregadas enfaticamente nos versos de Hölderlin.
O segundo dístico selecionado traz o título de "O engraçadinho":
"Sempre brincam e fazem piadas? Precisam? Oh, amigos! A mim
atinge-me a alma, pois só os desesperados fazem assim!"4
Onde a arte se pretende por si mesma ser alegre e, com isso, tenta adaptar-se a um uso a que, segundo Hölderlin, nada de sagrado pode mais servir, acaba reduzida a simples necessidade humana, traindo seu conteúdo de verdade. Sua vivacidade disciplinada adapta-se ao mecanismo do mundo. Encoraja os seres a se deixarem levar pelo que é status quo, a colaborar. Eis a forma do desespero objetivo. Se tomamos o dístico com seu devido peso, indica o caráter afirmativo da arte. Desde aquela época, sob o ditames da indústria cultural, o caráter afirmativo da arte tornou-se onipresente e a brincadeira de espírito apenas uma irônica careta dos anúncios de propaganda.
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Pois a relação entre o sério e o alegre da arte submete-se a uma dinâmica histórica. O que se pode chamar de alegre na arte é algo que surge, algo impensável nas obras arcaicas ou de conteúdo estritamente teológico. O alegre na arte pressupõe algo como liberdade urbana, o que não surge na burguesia inicial, como em Boccaccio, Chaucer, Rabelais e em Dom Quixote, mas já se faz presente como o elemento que períodos posteriores denominam de clássicos, como distintos do arcaico. O modo como a arte se liberta do obscuro e desesperado mito é essencialmente um processo, não uma escolha fundamental e imutável entre o sério e o alegre. É na alegria da arte que a subjetividade, de início, se conhece em seu próprio interior e se torna consciente. É pela alegria que ela se liberta do enredamento e retorna a si mesma. A alegria tem algo da disponibilidade burguesa, embora compartilhe também do destino histórico da burguesia. O que já foi cômico torna-se irrecuperavelmente estúpido; os mais tardios degeneram-se em amável comportamento de cumplicidade. Por fim, torna-se intolerável. Quem poderia agora rir ainda de Dom Quixote e de sua sádica ironia sobre que se opõe ao princípio de realidade do burguês? O que nas comédias de Aristófanes – hoje, como ontem, geniais – deve ser considerado cômico tornou-se um enigma; a igualdade entre o grosseiro e o cômico só permanece ainda nas regiões provincianas. Quanto mais profundamente a sociedade fracassa na reconciliação que o espírito burguês prometeu como Esclarecimento do mito, tanto mais o cômico é relegado ao Orcus5 e o riso, outrora a imagem da humanidade, regride ao desumano.
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Desde que a arte foi tomada pelo freio da indústria cultural e posta entre os bens de consumo, sua alegria se tornou sintética, falsa, enfeitiçada. Nada de alegre é compatível com o arbitrariamente imposto. A pacificada relação da alegria à natureza não tolera manipulações e cálculos. A distinção que a linguagem faz entre a graça e o gracejo dá conta exatamente desse fato. Onde hoje se vê o divertido é deturpado por ter sido imposto, até os limites ominosos do "no entanto" próprio das tragédias que se consolam de que a vida é assim mesma. A arte, que não é mais possível se não for reflexiva, deve renunciar por si mesma à alegria. A isto é forçada pelo que aconteceu recentemente. A afirmativa de que após Auschwitz não é mais possível escrever poesia, não deve ser cegamente interpretada, mas com certeza depois que Auschwitz se fez possível e que permanece possível no futuro previsível, a alegria despreocupada na arte não é mais concebível. Objetivamente se degenera em cinismo, independentemente de quanto se apóie na bondade e compreensão humanas. Afinal de contas, esta impossibilidade foi sentida pela grande literatura, primeiramente por Baudelaire quase um século antes da catástrofe européia, e depois por Nietzsche bem como pela renúncia ao humor do Círculo Literário de Stefan George. O humor se converteu em polêmica paródia. Ali ele encontra um refúgio temporário enquanto permanecer irreconciliável, sem levar em consideração o conceito de reconciliação que antes era seu parceiro. Pouco a pouco, a forma polêmica do humor também se põe em questão. Não pode mais contar que será compreendida e a polêmica, entre as formas artísticas, não pode sobreviver no vazio. Há alguns anos, houve debates sobre a questão de se saber se o fascismo poderia ser apresentado em formas cômicas ou paródicas sem que isso constituísse um ultraje a suas vítimas. É indiscutível o caráter de tolice, de farsa, de artigo de qualidade inferior de que se revestem os elos entre Hitler e seus adeptos de um lado e a imprensa marron e os dedos-duros de outro lado. Não dá para rir disso. A realidade sangrenta não era um espírito bom ou mal de que se pudesse caçoar. Eram ainda os bons tempos quando, com esconderijos e safadezas num sistema de horror, Hasek escreveu Schwejk. Mas comédias sobre o fascismo iam se tornar cúmplices do tolo modo de pensar que considerou esse regime derrotado por antecipação porque os batalhões mais fortes da história a ele se opunham. Acolher a posição dos vencedores não convém aos adversários do fascismo, que têm o dever de não se assemelharem em nada com aqueles que se entrincheiram naquelas posições. As forças históricas que produzem o terror, nascem da própria estrutura social. Não são de maneira alguma superficiais e são poderosas demais para que alguém se ponha a tratá-las como se estivesse com a história atrás de si e que os Führers fossem, de fato, os palhaços cujas falas assassinas pudessem equiparar-se a disparates.
7
Porque, além de tudo, o momento da alegria na liberdade da arte advém da mera existência, que mesmo as obras desesperadas – e sobretudo essas – demonstram: o momento da alegria ou do cômico não se deixa simplesmente expulsar no curso da história. Ele sobrevive em sua autocrítica, como o humor sobre o humor. As vanguardas das obras de arte contemporâneas com traços sem sentido e tolos, que tanto irritam os que possuem uma visão positivista, não são exatamente regressão da arte a um estágio infantil mas sobretudo julgamentos bem humorados sobre o humor. A obra-mestra de Wedekind contra o editor de simplizissimus traz o subtítulo de "Sátira da sátira". Há algo de similar com Kafka, cuja prosa chocante é recebida por muitos de seus intérpretes, dentre os quais Thomas Mann, como humor e cujas relações com Hasek está sendo objeto de estudo por pesquisadores eslovacos. Em especial diante das peças de Beckett, a categoria do trágico cede lugar à risada, pois suas peças cortam todo humor que aceite o status quo. Elas manifestam um estado de consciência que não mais admite a alternativa entre sério e alegre e nem tampouco a mista tragicomédia. O trágico dissolve-se porque são evidentemente inconseqüentes as demandas de uma subjetividade que deveria ser trágica. No lugar da risada instala-se o choro sem lágrimas, o choro seco. O lamento se tornou a tristeza dos olhos ocos e vazios. Resgatado é o humor nas peças de Beckett porque infectam com risadas sobre o risível do rir e sobre o desespero. Esse processo se identifica à redução artística, uma trilha que leva de uma sobrevivência mínima a um mínimo de sobrevivência, que ainda resta. Esse mínimo atenua, talvez para sobreviver-lhe, a catástrofe histórica.
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Na arte contemporânea faz-se evidente um definhar-se da alternativa entre o alegre e o sério, entre o trágico e o cômico e, quase, da vida e da morte. Com isso, a arte nega todo o seu passado, sem dúvida porque a costumeira alternativa expressa uma situação fendida entre a felicidade da vida que continua e a catástrofe, que é o meio de sua sobrevivência. A arte que está além do alegre e do sério pode ser tanto uma cifra da reconciliação quanto do terror, dado o completo desencantamento do mundo. Tal arte corresponde tanto ao desgosto perante a onipresença, seja aberta ou oculta, que faz propaganda da existência, quanto ao drama de alto coturno que, pela repetição do sofrimento, novamente toma partido pela imutabilidade. Diante do passado recentíssimo, a arte não pode ser mais alegre tanto quanto não pode ser séria por completo. Dúvidas se levantam quanto ao fato da arte ter sido mesmo tão séria quanto a cultura propagou aos homens. A arte não pode mais igualar a expressão da tristeza com o que há de mais alegre, como acontecia na poesia de Hölderlin, que se considerava afinado com o Weltgeist.6 O conteúdo de verdade da alegria parece ter se tornado inatingível. Que os gêneros se estejam borrando, que o gesto trágico pareça cômico e que o cômico se torne melancólico combina com isso tudo. O trágico decai porque levanta uma demanda pelo significado positivo da negatividade, o significado que a filosofia chama de negação positiva. Essa demanda não pode ser satisfeita. A arte que penetra no desconhecido, a única forma agora possível, não é séria nem alegre; a terceira oportunidade, no entanto, está encoberta como se mergulhada no nada, cujas figuras são descritas pelas obras de arte de vanguarda.
Notas
1 – "Ist die Kunst heiter?" integra os ensaios de Noten zur Literatur. Gesammelte Schriften 11. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996: 599-606. Tradução de Newton Ramos-de-Oliveira e revisão pela Equipe do Potencial Pedagógico da Teoria Crítica (Antonio Álvaro Zuin, Bruno Pucci e o tradutor).
2 – No original: "Viele versuchen umsonst das Freudigste freudig zu sagen
Hier spricht endlich es mir, hier in der Trauer sich aus"
3 – Contrapõe os verbos "sagen" e "aussprechen" no dístico acima.
4 – No original: "Immer spielt ihr und scherzt? Ihr müßt! O Freude! Mir geht diß
in die Seele, denn diß müssen Verzweifelte nur".
5 – Orcus – na mitologia romana, o reino das sombras, as regiões infernais. (Nota de NRO)
6 – Weltgeist: espírito do tempo. (nota de NRO)
ADORNO, Theodor W. "A arte é alegre?" , In: RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton; ZUIN, Antônio Álvaro Soares; PUCCI, Bruno (Orgs.). Teoria crítica, estética educação. Campinas: Unimep, 2001. Disponível em: http://antivalor.vilabol.uol.com.br/textos/frankfurt/adorno/adorno_06.htm
quinta-feira, julho 29, 2010
A Repetição Diferente
O excesso de consciência histórica está
conduzindo a arte a uma “nova” episteme
por Márcio Seligmann-Silva

Marcel Duchamp, LHOOQ, 1919.
A questão proposta pela Documenta 12, “A modernidade é nossa Antigüidade?”, pode ser interpretada de diferentes maneiras. Também se pode tentar especular quais seriam as afirmações indiretas contidas nela. A primeira delas é que a modernidade é algo passado, já saímos dela e estamos em um espaço que, por falta de outro nome, alguns denominam de pós-modernidade. Mas podemos pensar também que estamos vivendo uma hipermodernidade, ou seja, que nossa época realiza de modo radical e paroxístico os principais ingredientes da modernidade (com sua tentativa de construir uma sociedade marcada pela liberdade, igualdade e fraternidade).
Eu particularmente tendo a acreditar que desde a Primeira Guerra Mundial e sobretudo após a Segunda Guerra Mundial a modernidade entrou em uma espiral de auto-desintegração, batizada por Adorno e Horkheimer de “Dialética do Esclarecimento”, de tal modo que já não podemos mais afirmar que o nosso “projeto” (ou nossos projetos) é o mesmo que dominou na modernidade. Mas com isto, evidentemente, apenas se coloca uma outra questão: como definir esta nova era, quais são nossos projetos? Temos projetos?
As diferentes nuances de interrogação contidas na pergunta inicial podem nos ajudar a responder, mesmo que de modo provisório e parcial, a esta busca de definição de nosso presente. Voltemos então à pergunta. “A modernidade é nossa Antigüidade?” pode significar: 1) a modernidade se tornou algo tão distante de nós quanto era a Antigüidade clássica, greco-latina, para a modernidade?; 2) o nosso presente é caracterizado pela mesma relação de mímesis e imitação da modernidade, que marcou a relação deste último período com a Antigüidade?
Estas duas modulações da pergunta inicial já trazem alguns problemas que não podem ser simplesmente postos de lado. O primeiro problema é a própria presunção de que se pode pensar no singular as categorias de modernidade e de Antigüidade. É impossível pensar a modernidade como um único momento que iria do século XIV ou XV até o século XX. Acho essencial se manter no mínimo uma divisão clara entre a “primeira modernidade”, que se estende até o final do século XVIII (i.e., até a Revolução Francesa e início da Revolução Industrial) e, por outro lado, o que podemos denominar de modernidade romântica (e pós-romântica) que se estenderia até meados do século XX. As vanguardas históricas se localizam, portanto, no fim da modernidade romântica. Por outro lado, a Antigüidade, que também está sendo tratada de modo singular por nossa pergunta, deve ser encarada justamente como um produto polimorfo destas duas modernidades: tanto da “Querelle des anciens et des Modernes”, que marcou o debate cultural europeu, de modo mais ou menos explícito, do século XVI ao XVIII, como do relativismo histórico pré-romântico do século XVIII e, ainda, do historicismo do século XIX.
Por uma questão de necessidade quase que didática, proponho utilizar aqui o termo Antigüidade na sua versão historicista e romântica, que logo apresentarei. Como veremos, a questão da imitação estava no cerne do debate em torno da definição da Antigüidade. Dito isto, podemos precisar melhor a questão inicial dividindo-a em diferentes momentos:
a) Qual era a relação da “primeira modernidade” com a Antigüidade? Tentaremos responder em largos pinceladas esta questão com base em Winckelmann, autor chave do final deste período.
b) Qual a relação do início da modernidade romântica com a Antigüidade? Kant, Friedrich Schlegel e Novalis apresentam algumas respostas importantes a esta questão.
c) Qual a relação da cena artística das últimas décadas com o passado? (Deixamos em aberto no momento a idéia de que as vanguardas históricas se tornaram uma espécie de “nova Antigüidade”.) Para responder a esta questão Walter Benjamin, Freud, Borges e alguns outros autores serão devidamente mobilizados.
Para ler este texto na íntegra, clique no título deste post.
conduzindo a arte a uma “nova” episteme
por Márcio Seligmann-Silva

Marcel Duchamp, LHOOQ, 1919.
A questão proposta pela Documenta 12, “A modernidade é nossa Antigüidade?”, pode ser interpretada de diferentes maneiras. Também se pode tentar especular quais seriam as afirmações indiretas contidas nela. A primeira delas é que a modernidade é algo passado, já saímos dela e estamos em um espaço que, por falta de outro nome, alguns denominam de pós-modernidade. Mas podemos pensar também que estamos vivendo uma hipermodernidade, ou seja, que nossa época realiza de modo radical e paroxístico os principais ingredientes da modernidade (com sua tentativa de construir uma sociedade marcada pela liberdade, igualdade e fraternidade).
Eu particularmente tendo a acreditar que desde a Primeira Guerra Mundial e sobretudo após a Segunda Guerra Mundial a modernidade entrou em uma espiral de auto-desintegração, batizada por Adorno e Horkheimer de “Dialética do Esclarecimento”, de tal modo que já não podemos mais afirmar que o nosso “projeto” (ou nossos projetos) é o mesmo que dominou na modernidade. Mas com isto, evidentemente, apenas se coloca uma outra questão: como definir esta nova era, quais são nossos projetos? Temos projetos?
As diferentes nuances de interrogação contidas na pergunta inicial podem nos ajudar a responder, mesmo que de modo provisório e parcial, a esta busca de definição de nosso presente. Voltemos então à pergunta. “A modernidade é nossa Antigüidade?” pode significar: 1) a modernidade se tornou algo tão distante de nós quanto era a Antigüidade clássica, greco-latina, para a modernidade?; 2) o nosso presente é caracterizado pela mesma relação de mímesis e imitação da modernidade, que marcou a relação deste último período com a Antigüidade?
Estas duas modulações da pergunta inicial já trazem alguns problemas que não podem ser simplesmente postos de lado. O primeiro problema é a própria presunção de que se pode pensar no singular as categorias de modernidade e de Antigüidade. É impossível pensar a modernidade como um único momento que iria do século XIV ou XV até o século XX. Acho essencial se manter no mínimo uma divisão clara entre a “primeira modernidade”, que se estende até o final do século XVIII (i.e., até a Revolução Francesa e início da Revolução Industrial) e, por outro lado, o que podemos denominar de modernidade romântica (e pós-romântica) que se estenderia até meados do século XX. As vanguardas históricas se localizam, portanto, no fim da modernidade romântica. Por outro lado, a Antigüidade, que também está sendo tratada de modo singular por nossa pergunta, deve ser encarada justamente como um produto polimorfo destas duas modernidades: tanto da “Querelle des anciens et des Modernes”, que marcou o debate cultural europeu, de modo mais ou menos explícito, do século XVI ao XVIII, como do relativismo histórico pré-romântico do século XVIII e, ainda, do historicismo do século XIX.
Por uma questão de necessidade quase que didática, proponho utilizar aqui o termo Antigüidade na sua versão historicista e romântica, que logo apresentarei. Como veremos, a questão da imitação estava no cerne do debate em torno da definição da Antigüidade. Dito isto, podemos precisar melhor a questão inicial dividindo-a em diferentes momentos:
a) Qual era a relação da “primeira modernidade” com a Antigüidade? Tentaremos responder em largos pinceladas esta questão com base em Winckelmann, autor chave do final deste período.
b) Qual a relação do início da modernidade romântica com a Antigüidade? Kant, Friedrich Schlegel e Novalis apresentam algumas respostas importantes a esta questão.
c) Qual a relação da cena artística das últimas décadas com o passado? (Deixamos em aberto no momento a idéia de que as vanguardas históricas se tornaram uma espécie de “nova Antigüidade”.) Para responder a esta questão Walter Benjamin, Freud, Borges e alguns outros autores serão devidamente mobilizados.
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quinta-feira, julho 22, 2010
quarta-feira, julho 14, 2010
Do Trágico ao Abjeto

Máscara de Dionísio, Myrina, século II a.C.
Se não fosse pela criação do resplendente panteão de deuses olímpicos, de que outra maneira poderiam os gregos – povo tão singularmente propício ao sofrimento –, suportar os horrores da existência humana? A pergunta é lançada pelo jovem Nietzsche, que, pelo viés da sabedoria de Sileno, toca em um ponto fundamental para a compreensão da essência mesma do trágico, da Grécia antiga à contemporaneidade: a questão do tratamento da dor e do sofrimento pelas representações artísticas.
Aléxia Cruz Bretas
Contra Platão, Aristóteles escreve em sua Poética sobre o prazer proporcionado pela mímesis, observando, a respeito da pintura, que temos prazer em contemplar coisas cuja visão é digna de pena quando sua imagem é reproduzida com perfeição – como no caso de bichos desprezíveis e cadáveres.
Já com relação às artes dramáticas, o filósofo deixa registrada sua canônica definição de tragédia, caracterizando-a como uma representação de uma ação nobre, de certa extensão, em linguagem elevada, com atores agindo, não narrando, a qual, inspirando piedade (éleos) e temor (fóbos), opera a catarse própria dessas emoções. Portanto, sob a perspectiva da teoria poética clássica, o abalo provocado pela apresentação de cenas chocantes, que geram compaixão e medo, enseja consequências tão prazerosas quanto úteis: purifica as emoções do espectador, reconciliando-o, ao mesmo tempo, com a realidade circundante.
Entretanto, é somente no fim do século XVII que a hegemonia da tríade belo-bom-verdadeiro viria a ser posta em questão, com um notável aumento do interesse pela psicologia da recepção das obras de arte. Neste sentido, a publicação, em 1694, da tradução de Boileau do tratado Do sublime, atribuído ao pseudo-Longino, lançaria as bases para uma nova estética, cujo epicentro seria exatamente a prolífera noção de “sublime”.

Caspar David Friedrich, Monge à beira-mar, 1809.
Se até então o foco da reflexão artística estivera concentrado em aspectos relativos às regras da composição, agora todas as atenções se voltam para o estudo dos sentimentos compostos. Fenômenos como o prazer advindo da contemplação de aparições asquerosas, do feio e de seres monstruosos passam a ser objeto de fecundos debates.
Com isso, opera-se uma radical mudança de paradigma, mediante a virada de uma estética calcada na primazia dos princípios racionais para uma outra centrada na imediatez e na emotividade. Ao invés da análise da imitação e das semelhanças entre o original e a cópia, a ênfase passa a recair sobre o espectador, bem como sobre a relação entre os estímulos e as emoções desencadeadas por eles.
Como resultado, surgem, a partir de meados do século XVIII, duas principais modalidades de “sublime”, cada uma das quais orientada por um vetor específico: são elas o “sublime” sensualista de Burke e o “sublime” espiritualista de Mendelssohn. De certo modo, pode-se dizer que ambas as tendências privilegiam o papel da dor, do sofrimento e dos sentimentos compostos na recepção das obras de arte, em suas múltiplas formas.
Teórico-chave da estética no século XVIII, Edmund Burke apresenta o sublime como um afeto em larga medida alheio aos protocolos da apreensão conceitual, precisamente por se constituir como a manifestação do ilimitado. O autor elabora sua teoria com base em uma distinção fundamental entre o prazer (pleasure) simples ou positivo e o prazer ou deleite (delight) relativo, proveniente da diminuição da dor, do perigo ou de um sofrimento qualquer.
Em linhas gerais, Burke caracteriza o sublime como fenômeno decorrente de um abalo de muita intensidade, capaz de provocar o que chama de deleite ou “horror deleitoso”. Para isso, a participação empática do espectador é condição sine qua non, já que a perda de controle diante de uma força superior que atinja e arrebate o indivíduo é requisito fundamental para a consumação da experiência artística em toda a sua plenitude.
Enquanto para Burke, a categoria do sublime indica algo “inominável”, para os teóricos alemães ele é um conceito entendido como manifestação do infinito, isto é, de uma entidade superior e até divina. Para Moses Mendelssohn, em particular, tal sentimento de natureza mista surge na apreensão de objetos cuja grandeza não poder ser abarcada de uma só vez pelos sentidos. Ou seja, há uma inadequação entre a obra contemplada e nossa limitada capacidade de percepção, tanto sensível quanto intelectual.
Por isso, o sublime se configura como o grau mais elevado do poético. Indissoluvelmente vinculado ao império das emoções heterogêneas – as quais tendem a nos impressionar mais –, o grande ideal da arte é, para Mendelssohn, o abalo prazeroso de seu espectador, conforme se verifica, por exemplo, nas telas de Caspar David Friedrich, William Turner e John Constable, entre outros.
Para evitar, quer a monotonia, quer o simples asco, a arte se volta então para a representação do que há de mais chocante, oscilando pendularmente entre os extremos do grito de dor e do silêncio absoluto: reflexo da consciência da insuperável incapacidade de abarcar o mundo de modo conceitualmente articulado.
Neste sentido, são dignas de nota as ideias de Lessing sobre o tema. Em resposta ao classicismo de Winckelmann, o autor redige seu Lacoonte a fim de explicitar as especificidades da pintura e da poesia, detendo-se na análise do grupo escultórico de mesmo nome para apresentar os fundamentos de sua pregnante concepção estética.

Grupo escultórico do Laocoonte, Vaticano.
Segundo ele, o artista plástico deve evitar sumariamente a representação do grito, do grotesco escancaramento da boca, sob o risco de ultrapassar, com a descuidada exposição da carne, ou das “entranhas”, os limites da própria arte. Para Lessing, a configuração da boca aberta redunda na saída do campo estético, isto é, na impossibilidade do exercício do pensamento ao ser subjugado pela própria realidade imediata. Reenviando ao texto de Mendelssohn, o autor é enfático: “Os sentimentos de asco são sempre natureza”.
Esta ideia, por sinal, revela-se de suma importância para o entedimento de um certo “deslizamento” semântico da noção do “sublime” – prevalente, sobretudo, entre os românticos – em direção a uma categoria crucial para a compreensão da representação da dor e do sofrimento na arte contemporânea: o abjeto. Se o trágico aspira à catarse e o sublime remete ao espiritual, o abjeto se volta para a materialidade do corpo. Não por acaso, a pele, os orifícios, fluidos e dejetos são os suportes privilegiados deste modo de apresentação do “asqueroso”.
Formulada por Julia Kristeva no ensaio Poderes do horror, de 1980, a categoria do abjeto deriva da psicanálise e da teoria literária, dirigindo-se, com Freud, Bataille e Lévi-Strauss, ao campo caótico e pré-simbólico da natureza – locus por excelência do animal e, de forma paradigmática, do cadáver. Como manifestação do que há de mais primitivo em nossa economia psíquica, o abjeto nasce de um recalque originário anterior ao próprio ego individualizado – como, por exemplo, no satanismo de Lautréamont, no teatro de Artaud e nas metamorfoses de Kafka.

Patricia Piccinini, We are family, 2003.
Em tempo, Kristeva, aristotelicamente, vislumbra na arte uma das modalidades de purificação do abjeto: a sua aparição teria o papel de controlar sua força. Contra Mendelssohn, Lessing e Kant, que percebiam na representação de objetos repugnantes ou asquerosos um tema completamente estranho à arte por ser “sempre natureza”, a autora mostra que o que importa agora é precisamente o contrário: a apresentação da realidade – que bloqueia nossa imaginação, mas fomenta o pensamento.
A título de ilustração, cabe citar, aqui, a exposição de renome internacional concebida pelo médico Gunther von Hagen, Mundos do corpo (Körperwelten). A mostra exibe “esculturas” feitas de cadáveres humanos submetidos ao processo de “plastinação” e apresentados como “obra de arte”. Fornecidos pela polícia chinesa e de países da ex-União Soviética, a famosa e não menos polêmica exposição dos corpos vem demonstrar, de maneira bastante eloquente, a relação espúria entre esta espécie de “arte abjeta” e a radicalização da figura política do homo sacer em nossa época.
Em conclusão, podemos afirmar que, contemporaneamente, a espetacularização da dor não redunda mais em uma kátharsis com a participação empática do espectador, mas procede a partir de um olhar educado pela percepção do sublime dos séculos XVIII e XIX, culminando com o avesso da identificação piedosa, ou seja, com a pura dessubjetificação sem o momento da fusão extática.
Neste caso, a catarse só pode ser pensada como escritura do corpo, isto é, enquanto comunhão regressiva com o proto-eu simbólico anterior ao lógos – que autores como Adorno se referirão como o “animal” ou o “inumano”. As fotomontagens de Joel Peter Witikin, as criaturas híbridas de Patricia Piccinini e algumas esculturas de Louise Bourgeois são apenas três de suas muitas facetas.
Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Arte Retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro.
LESSING, G. E. Lacoonte. São Paulo: Iluminuras, 1998.
LONGINO. Do sublime. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SELIGMANN-SILVA, Márcio. O local da diferença. São Paulo: Ed. 34, 2005.
quarta-feira, junho 23, 2010
terça-feira, junho 22, 2010
sexta-feira, junho 18, 2010
Objetos Surrealistas
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