"A título de excursão fantasiosa, isto: certamente tomaremos o Viver-Junto como fato essencialmente espacial (viver num mesmo lugar). Mas, em estado bruto o Viver-Junto é também temporal e é necessário marcar aqui esta casa: 'viver ao mesmo tempo em que...', 'viver no mesmo tempo em que...' = contemporaneidade. Por exemplo, posso dizer, sem mentir, que Marx, Mallarmé, Nietzsche e Freud viveram vinte e sete anos juntos. Ainda mais, teria sido possível reuni-los em alguma cidade da Suiça em 1876, por exemplo, e eles teriam podido -- último índice do Viver-Junto -- 'conversar'. Freud tinha então vinte anos, Nietzsche tinha trinta e dois, Mallarmé trinta e quatro e Marx cinqüenta e seis. (Poderíamos nos perguntar qual é, agora, o mais velho). Essa fantasia da concomitância visa a alertar sobre um fenômeno muito complexo, pouco estudado, parece-me: a contemporaneidade. Com quem é que eu vivo? O calendário não responde bem. É o que indica nosso pequeno jogo cronológico -- a menos que eles se tornem contemporâneos agora? A estudar: os efeitos de sentidos cronológicos (cf. ilusões de óptica). Desembocaríamos talvez neste paradoxo: uma relação insuspeita entre o contemporâneo e o intempestivo -- como o encontro de Marx e Mallarmé, de Mallarmé e Freud sobre a mesa do tempo."
BARTHES, Roland. Como viver junto. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 11-12.
Um comentário:
eu li o livro e achei bom. é dificil resenhar uma escrita criptografica...
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