"A promoção da arte da interpretação à custa das obras deve-se a um mecanismo exterior ao processo estético. O florescimento da interpretação e a identificação entre a obra e a sombra de sua propaganda hermenêutica devem-se, em grande parte, à filosofia moderna -- precisamente àquela filosofia que foi privada da verdade porque deixou de existir uma totalidade que correspondesse à unidade bem-sucedida do verdadeiro, do bom e do belo. A filosofia atual precisa da estética para poder dizer, via teoria estética, o que devia dizer se ainda existisse 'filosofia verdadeira'. Estética representa a muleta que permite a uma filosofia impossível de se arrastar pelo século XX. A estética filosófica se transformou em cripto-ética do presente. Serve à filosofia de refúgio que abriga um conceito arcaico de verdade -- enquanto visão da vida verdadeira, um conceito que filósofos modernos não ousariam ensinar com intenção direta. A estética desde as Cartas sobre a educação estética do homem, de Schiller, até os escritos teóricos sobre arte de Adorno, funciona, então, como moral de um mundo sem moral e como órgão último da verdade para uma condição epocal que identifica verdade como preconceito para quem tem nervos frágeis."
SLOTERDIJK, Peter. "A saturação filosófica da estética e o moralismo hermenêutico." In: Mobilização copernicana e desarmamento ptolomaico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992, pp. 39-40.
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