Coletivo dinamarquês acusa Fundação Bienal de censura
Apresentada na Bienal de Veneza em 2003, a obra "Guaraná Power", do coletivo dinamarquês Superflex, foi selecionada pela curadoria da 27ª Bienal de São Paulo mas teve sua exibição vetada pela Fundação realizadora da mostra.
Tônico de sabor concentrado e propriedades energéticas, de grande sucesso na Europa, o Guaraná Power tem como função primeira a crítica ao monopólio do mercado e a suas conseqüências nas comunidades agricultoras. A partir de um estudo econômico da cidade de Maués, no Amazonas, detectou-se o impacto econômico da redução do preço das sementes de guaraná por parte das grandes indústrias. "Estabelecemos o valor de R$ 15 para o quilo de sementes, enquanto as indústrias pagam R$ 7", afirmou Bjornstjerne Christiansen, membro do Superflex, em entrevista à Folha de São Paulo. O projeto conta com o apoio da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Governo do Estado do Amazonas.
Impedidos de apresentar a obra – e tendo suas páginas do catálogo da mostra cobertas por tarjas pretas –, os dinamarqueses distribuíram o Guaraná Power, sem rótulo, em vernissages na Galeria Vermelho e Instituto Tomie Ohtake, além de pontos espalhados pela capital paulista. O coletivo Superflex já recebeu elogios do Ministro da Cultura Gilberto Gil em junho deste ano, ao apresentar no Brasil o projeto Free Beer ("cerveja livre"), cerveja cuja fórmula é licenciada em Creative Commons e permite que qualquer pessoa interessada possa fabricá-la ou aprimorá-la.
Na entrevista coletiva dos organizadores da Bienal, o presidente da Fundação Bienal, Manuel Francisco Pires da Costa, optou por, além de responsabilizar a assessoria jurídica, emitir sua opinião pessoal acerca da obra polêmica: "Eu jamais interferi no mérito das obras selecionadas. Aliás, a acho de muito mau gosto e, se não julguei, estou julgando agora. Foi o departamento jurídico da Bienal quem informou que essa obra não estava de acordo com as regras da legislação brasileira".
"O que eles sempre nos disseram é que isso [a referência à marca do guaraná Antarctica] poderia ser um problema, mas o presidente nunca nos deu respostas claras. Nossas obras sempre envolvem negociação, mas com ele tivemos as portas fechadas. Se eles olhassem como ficou a lata [diferente da criação original], não haveria problema legal", afirmou Jakob Fenger, um dos membros do coletivo, em entrevista para a Folha de São Paulo, em matéria que informa ainda: "Por meio de sua assessoria, a AmBev [fabricante do guaraná Antarctica] declarou não ver problema na obra. Diz não ter tido nenhum contato com o grupo".
O Superflex ainda distribuiu à imprensa, no dia da coletiva, o documento "A obra de arte que os brasileiros não terão permissão de ver na Bienal" . Nele, afirma-se que o "presidente da Fundação Bienal censurou um trabalho com reconhecimento internacional para o público brasileiro", que, segundo o texto divulgado, teria sido recusado "por não ser considerada uma 'atividade artística'".
A polêmica gerada pela Fundação Bienal fortaleceu a ação política do coletivo dinamarquês, tendo a censura gerado uma reação oposta à desejada. Foi grande o interesse público pelo modelo econômico e social do projeto Guaraná Power -- baseado no colaborativismo do software livre -- e positiva a repercussão do tema, exatamente onde interessa: no país fornecedor da matéria-prima de uma das bebidas estrangeiras mais famosas no exterior.
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