terça-feira, outubro 24, 2006

Toda Arte é Política


Hélio Oiticica, Tropicália, 1967

Às vésperas da Bienal, a curadora da 27ª Bienal de São Paulo, Lisette Lagnado, fala sobre a mostra como "suspensão do cotidiano"

FOLHA - Você partiu de conceitos do Hélio Oiticica, dos anos 60 e 70, para criar o projeto desta Bienal. Em que medida, após a seleção de artistas e a montagem dos trabalhos, aquelas idéias podem ser observadas na produção contemporânea?

LAGNADO - Acho que a primeira vez que tive esse "feeling" foi quando entrei em contato com o trabalho do Rirkrit Tiravanija, porque eu via aquele sujeito fazendo proposições para se ficar junto, cozinhando e eu lembrava disso como uma proposição para "Parangolé-área". Então, foi aí que de fato comecei a achar que o Hélio tinha sido visionário, no sentido que, na década seguinte, em 80, quando ele morre, há a volta à pintura, de certa forma à mercantilização da arte, e isso ele nunca imaginava. Ele caminhava para algo mais voltado ao que fazia o Gordon Matta-Clark, de intervenções urbanas. Em meados dos anos 90, vimos proposições como a do Rirkrit serem usadas por vários artistas e ele se tornou um ícone, mas eu achava que o Hélio faltava nessa bibliografia. O que ele conceituou é o que está acontecendo e o primeiro fenômeno mais direto, que demonstra isso, é o Rirkrit.

FOLHA - Mas a arte, e nesse caso a Bienal, não pode ser como um espaço experimental de como viver junto? Não era isso, afinal, que o Hélio Oiticica propunha?

LAGNADO - Eu diria que o conceito de Hélio, mais próximo de sua pergunta, seria o de Crelazer. Acontece paralelamente com a preparação de "Éden" para Whitechapel (1969) e aí o artista já quer implantar uma nova prática de vida, pautada por uma percepção criativa da parte dos indivíduos e um forte sentido de participação coletiva. A "Cama-Bólide" é um dos exemplos mais emblemáticos; ou então sentir na planta do pé a textura da areia, a temperatura da água, o barulho da palha. Mas vamos combinar que estas experiências sensoriais faziam sentido dentro daquele contexto de descoberta do corpo livre, etc. Viver junto hoje não pode ser traduzido literalmente. Quais são nossas questões do agora? O último pronunciamento do papa? Não sei. O que resta do Crelazer é uma crítica à sociedade do espetáculo, a um lazer ativo e não passivo.

Matéria publicada pelo Caderno Ilustrada do jornal Folha de São Paulo, do dia 1/10/2006.

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