"Alguém dirá que A vida como ela é... insiste na tristeza e na abjeção. Talvez, e daí? O homem é triste e repito: -- triste do berço ao túmulo, triste da primeira à última lágrima. Nada soa mais falso do que a alegria. Rir num mundo miserável como o nosso é o mesmo que, em pleno velório, acender o cigarro na chama de um círio. Pode-se dizer que é triste A vida como ela é... -- porque o homem morre. Que importa tudo o mais, se a morte nos espera em qualquer esquina? Convém não esquecer que o homem é, ao mesmo tempo, o seu próprio cadáver. Hora após hora, dia após dia, ele amadurece para morrer. Há gêneros alegres, eu sei. Fala-se em 'teatro para fazer rir'. Mas uma peça que tenha essa destinação específica é tão absurda, obscena, como o seria uma missa cômica. Agora o aspecto da sordidez. Nas abjeções humanas, há ainda a marca da morte. Sim, o homem é sórdido porque morre. No seu ressentimento contra a morte, faz a própria vida com excremento e sangue."
Nelson Rodrigues. Elas gostam de apanhar. Rio de Janeiro: Agir, 2007, p. 7.
2 comentários:
A morte como ela é.
Em meu perfil do oukut digo que sinto um discreto prazer por estar vivo. Acho que esse pensamento do Nelson Rodrigues é o pensamento de um velho preocupado com a morte que se aproxima. A maioria das pessoas vive como se fosse eterna, não pauta o que faz ou deixa de fazer em virtude da morte.
O lado sórdido do ser humano não é por causa da morte, mas porque encontra-se dividido enquanto grupo, enquanto comunidade (vide A Arte de amar de Erich Fromm).
O comentário acima saiu como anônimo porque não consegui publicar de outra forma.
Fernando Carvalho (ferdo@oi.com.br)
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