"Alguém dirá que
A vida como ela é... insiste na tristeza e na abjeção. Talvez, e daí? O homem é triste e repito: -- triste do berço ao túmulo, triste da primeira à última lágrima. Nada soa mais falso do que a alegria. Rir num mundo miserável como o nosso é o mesmo que, em pleno velório, acender o cigarro na chama de um círio. Pode-se dizer que é triste
A vida como ela é... -- porque o homem morre. Que importa tudo o mais, se a morte nos espera em qualquer esquina? Convém não esquecer que o homem é, ao mesmo tempo, o seu próprio cadáver. Hora após hora, dia após dia, ele amadurece para morrer. Há gêneros alegres, eu sei. Fala-se em 'teatro para fazer rir'. Mas uma peça que tenha essa destinação específica é tão absurda, obscena, como o seria uma missa cômica. Agora o aspecto da sordidez. Nas abjeções humanas, há ainda a marca da morte. Sim, o homem é sórdido porque morre. No seu ressentimento contra a morte, faz a própria vida com excremento e sangue."
Nelson Rodrigues.
Elas gostam de apanhar. Rio de Janeiro: Agir, 2007, p. 7.