"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amar sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma eterna ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita".
segunda-feira, março 28, 2011
domingo, março 27, 2011
Lê!
Segundo a tradição, naquele ano de 610,
o arcanjo Gabriel apareceu diante de Maomé
e disse: "Lê!"
o arcanjo Gabriel apareceu diante de Maomé
e disse: "Lê!"
sexta-feira, março 25, 2011
Viver com qualidade, por Sêneca
"O que importa não é viver muito, mas viver com qualidade. Com efeito, viver muito tempo quem decide é o destino. Viver plenamente, o teu espírito. A vida é longa se for vivida com plenitude. Assim, ela está plena quando a alma tomou posse do bem que lhe é próprio e não depende senão de seu poder".
SÊNECA (ca. 4 a.C-ca. 65 d.C). "Da qualidade da vida comparada com a sua duração", in: Aprendendo a viver. Porto Alegre, LP&M, 2009, p. 90.
SÊNECA (ca. 4 a.C-ca. 65 d.C). "Da qualidade da vida comparada com a sua duração", in: Aprendendo a viver. Porto Alegre, LP&M, 2009, p. 90.
terça-feira, março 15, 2011
terça-feira, março 01, 2011
segunda-feira, fevereiro 28, 2011
sexta-feira, fevereiro 25, 2011
"Somos nossos próprios demônios"

Gustave Doré, Satã, ilustração do Paraíso Perdido de Milton, c. 1866.
DEMÔNIOS. Parece às vezes ao sujeito amoroso estar possuído por um demônio de linguagem que o obriga a ferir a si próprio e a se expulsar -- segundo a proposição de Goethe -- do paraíso que, em outros momentos, a relação amorosa constitui para ele.
1. Uma força precisa arrasta minha linguagem em direção ao mal que posso fazer a mim mesmo: o regime motor de meu discurso é a roda livre: a linguagem vai girando, sem nenhum pensamento tático da realidade. Procuro fazer mal, expulso-me a mim mesmo de meu paraíso, empenhamdo-me em suscitar em mim as imagens (de ciúmes, de abandono, de humilhação) que podem me ferir; e aberta a ferida, mantenho-a, alimento-a com outras imagens, até que um outro ferimento venha provocar a diversão.
2. O demônio é plural ("Meu nome é Legião", Lucas, 7,30). Quando um demônio é repelido, quando finalmente impus-lhe silêncio (por acaso ou luta), um outro levanta a cabeça ao lado e se põe a falar. A vida demoníaca de um amante assemelha-se à superfície de uma solfatara*: grandes bolhas (ardentes e lamacentas) eclodem uma após a outra; quando uma baixa e apazigua-se, retorna à massa, uma outra, mais adiante, se forma, infla. As bolhas "Desespero", "Ciúme", "Exclusão", "Desejo", Incerteza de conduta", "Pavor de perder a dignidade" (o mais perverso de todos os demônios) fazem "ploc" uma após a outra, numa ordem indeterminada: a desordem mesma da Natureza.
3. Como repelir um demônio (velho problema)? Os demônios, principalmente se são de linguagem (e que mais poderiam ser?), se combatem pela linguagem. Posso pois ter a esperança de exorcizar a palavra demoníaco que me é soprada (por mim mesmo) substituindo-a (se acaso eu tiver tal talento linguageiro) por uma outra palavra, mais pacífico (caminho para a eufemia). Assim: eu acreditava ter finalmente saído da crise, quando repentinamente -- incitada por uma longa viagem de carro -- uma verborragia me possui, não paro de me agitar no pensamento, no desejo, na nostalgia, na agressão do outro; e acrescentoo que sofro uma recaída; mas o vocabulário francês é uma verdadeira farmacopeia (veneno de um lado, remédio do outro): não, não se trata de uma recaía, trata-se apenas do último sobressalto do demônio interior.
* Cratera de vulcão extinto de onde se exalam vapores de enxofre ou gás sulfídrico; sulfureira.
Roland Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso.
(São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 111-113).
quarta-feira, fevereiro 23, 2011
Mulheres, perfumes, belas flores...

Odilon Redon, Jovens em flor, 1905-1912.
"Alegria aparece para mim como a finalidade da vida e a única coisa útil no mundo. Deus também a quer: ele criou mulheres, perfumes, luz, belas flores, bons vinhos, cabelos cacheados, lábios, gatos angorás; ele não disse a seus anjos: tenham Virtude, e sim: amem!"
(Théophile Gautier)
sexta-feira, fevereiro 04, 2011
O Dândi, por Charles Baudelaire
"O homem rico, dedicado ao ócio e que, mesmo aparentando indiferença, não tem outra ocupação que a de correr no encalço da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado, desde a juventude, a ser obedecido, aquele, enfim, que não tem outra profissão que não a da elegância, gozará sempre, em todas as épocas, de uma fisionomia diferente, inteiramente à parte.
(...)
Esses seres não têm outra ocupação a não ser a de cultivar a ideia do belo em sua pessoa, de satisfazer as suas paixões, de sentir e de pensar. Dispõem, assim, a seu bel-prazer e em grande quantidade, de tempo e dinheiro, sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de devaneio passageiro, dificilmente pode ser traduzida em ação. É, infelizmente, bem verdade, que, sem tempo livre e sem dinheiro, o amor não passa de uma orgia de plebeu ou do cumprimento de um dever conjugal. Torna-se, em vez da atração ardente ou plena da fantasia, uma repugnante utilidade.
Se falo do amor a propósito do dandismo, é porque o amor é a ocupação natural dos que se dedicam ao ócio. Mas o dândi não visa o amor como objetivo especial. Se falei de dinheiro, é porque o dinheiro é indispensável às pessoas que fazem de suas paixões um culto; mas o dândi não aspira ao dinheiro como a algo essencial; um crédito ilimitado é o bastante; ele deixa essa grosseira paixão aos vulgares mortais. O dandismo não é nem mesmo, como muitas pessoas pouco sensatas parecem acreditar, um gosto imoderado pela toalete e pela elegância material. Essas coisas não são para o perfeito dândi, senão o símbolo da superioridade aristocrática do seu espírito."
Charles Baudelaire. O pintor da vida moderna.
(Belo Horizonte, Autêntica, 2010, p. 62-63).
(...)
Esses seres não têm outra ocupação a não ser a de cultivar a ideia do belo em sua pessoa, de satisfazer as suas paixões, de sentir e de pensar. Dispõem, assim, a seu bel-prazer e em grande quantidade, de tempo e dinheiro, sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de devaneio passageiro, dificilmente pode ser traduzida em ação. É, infelizmente, bem verdade, que, sem tempo livre e sem dinheiro, o amor não passa de uma orgia de plebeu ou do cumprimento de um dever conjugal. Torna-se, em vez da atração ardente ou plena da fantasia, uma repugnante utilidade.
Se falo do amor a propósito do dandismo, é porque o amor é a ocupação natural dos que se dedicam ao ócio. Mas o dândi não visa o amor como objetivo especial. Se falei de dinheiro, é porque o dinheiro é indispensável às pessoas que fazem de suas paixões um culto; mas o dândi não aspira ao dinheiro como a algo essencial; um crédito ilimitado é o bastante; ele deixa essa grosseira paixão aos vulgares mortais. O dandismo não é nem mesmo, como muitas pessoas pouco sensatas parecem acreditar, um gosto imoderado pela toalete e pela elegância material. Essas coisas não são para o perfeito dândi, senão o símbolo da superioridade aristocrática do seu espírito."
Charles Baudelaire. O pintor da vida moderna.
(Belo Horizonte, Autêntica, 2010, p. 62-63).
segunda-feira, janeiro 31, 2011
terça-feira, janeiro 18, 2011
A felicidade, desesperadamente
"Lembrem-se de Proust em Em busca do tempo perdido: 'Albertine presente, Albertine desaparecida...' Quando ela não está presente, ele sofre atrozmente: está disposto a tudo para que ela volte. Quando ela está presente, ele se entedia: está disposto a tudo para que ela vá embora. Não há nada mais fácil do que amar quem não temos, quem nos falta: isso se chama de estar apaixonado, e está ao alcance de qualquer um. Mas amar quem temos, aquele ou aquela com quem vivemos, é outra coisa! Quem não viveu essas oscilações, essas intermitências do coração? Ora amamos quem não temos, e sofremos com esta falta: é o que se chama de um tormento amoroso; ora temos quem já não nos falta e nos entediamos: é o que chamamos um casal. E é raro que isso baste à felicidade".
André Comte-Sponville. A felicidade desesperadamente.
(São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 34).
André Comte-Sponville. A felicidade desesperadamente.
(São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 34).
terça-feira, janeiro 11, 2011
A Arte e os Enigmas do Mundo

Édipo e a Esfinge de Tebas, c. 470 a.C., Museo Gregoriano Etrusco, Vaticano.
"As obras de arte têm seus alicerces nos enigmas que o mundo organizado propõe para devorar os homens. O mundo é a esfinge; o artista, seu Édipo tornado cego; e as obras de arte se parecem com a sábia resposta que precipita a esfinge nos abismos. Desta maneira, toda arte está contra a mitologia. Em seu 'material' natural está sempre contida a 'resposta', a única resposta possível e exata, mas nunca separada da própria obra".
Theodor W. Adorno. Filosofia da nova música.
(São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 106)
sexta-feira, janeiro 07, 2011
Homens do Desconhecimento
"Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos -- e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos? Com razão alguém disse: 'onde estiver teu tesouro, estará também meu coração'. Nosso tesouro está onde estão as colmeias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito -- levar algo 'para casa'. Quanto ao mais da vida, as chamadas 'vivências', qual de nós pode levá-las a sério? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes, receio, estamos sempre 'ausentes': nelas não temos nosso coração -- para elas não temos ouvidos. Antes, como alguém divinamente disperso e imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido as doze batidas do meio-dia, e súbito acorda e se pergunta 'o que foi que soou?', também nós por vezes abrimos depois os ouvidos e perguntamos, surpresos e perplexos inteiramente, 'o que foi que vivemos?', e também 'quem somos realmente?', e em seguida contamos, depois, como disse, as doze vibrantes batidas da nossa vivência, nossa vida, nosso ser -- ah! e contamos errado... Pois continuamos necessariamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos mal-entender, a nós se aplicará para sempre a frase: 'Cada qual é o mais distante de si mesmo'-- para nós mesmos somos 'homens do desconhecimento'..."
Friedrich Nietzsche. Genealogia da Moral.
(São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 7-8).
Friedrich Nietzsche. Genealogia da Moral.
(São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 7-8).
quarta-feira, dezembro 29, 2010
Do Desejo, por Hilda Hilst
Lembra-te que há um querer doloroso
E de fastio a que chamam de amor.
E outro de tulipas e de espelhos
Licencioso, indigno, a que chamam desejo.
Há o caminhar um descaminho, um arrastar-se
Em direção aos ventos, aos açoites
E um único extraordinário turbilhão.
Por que me queres sempre nos espelhos
Naquele descaminhar, no pó dos impossíveis
Se só me quero viva nas tuas veias?
Hilda Hilst. Do desejo.
(Campinas: Pontes, 1992, p. 15).
E de fastio a que chamam de amor.
E outro de tulipas e de espelhos
Licencioso, indigno, a que chamam desejo.
Há o caminhar um descaminho, um arrastar-se
Em direção aos ventos, aos açoites
E um único extraordinário turbilhão.
Por que me queres sempre nos espelhos
Naquele descaminhar, no pó dos impossíveis
Se só me quero viva nas tuas veias?
Hilda Hilst. Do desejo.
(Campinas: Pontes, 1992, p. 15).
quarta-feira, dezembro 15, 2010
O Inferno de Dante, por Botticelli

Sandro Botticelli, Inferno, Canto XVIII, 1480.
O oitavo círculo, que Dante chama "Malebolge" (literalmente, maus bornais), é constituído de dez valas concêntricas separadas por diques, sobre os quais se apóia uma ponte de pedra que os interliga desde a primeira vala periférica até a cava central. Em cada vala é punida uma categoria de fraude: na primeira estão os rufiões e os sedutores, separadas em duas filas que circulam em sentido contrário. Na primeira, Dante reconhece Venedico Cacianemico e na segunda Jasão. Na segunda vala, sobre a qual os poetas chegam passando pela ponte, Dante tem a visão dos aduladores que estão imersos no esterco. Aí Dante encontra Alessio Interminei e Virgílio lhe indica Taís.
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia: Inferno.
(São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 127).
terça-feira, dezembro 14, 2010
Die Liebe, por Else Lasker-Schüler
"Alles ist tot,
Nur du und ich nicht."
"Tudo está morto,
só você e eu não".
Else Lasker-Schüler. "Doktor Benn",
in: PINTHUS, Kust. Menschheitsdämmerung:
ein Dokument des Expressionismus.
Berlim: Rowohlt, 2009, p. 147.
Nur du und ich nicht."
"Tudo está morto,
só você e eu não".
Else Lasker-Schüler. "Doktor Benn",
in: PINTHUS, Kust. Menschheitsdämmerung:
ein Dokument des Expressionismus.
Berlim: Rowohlt, 2009, p. 147.
segunda-feira, dezembro 13, 2010
domingo, dezembro 12, 2010
quinta-feira, dezembro 09, 2010
quarta-feira, dezembro 08, 2010
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