terça-feira, julho 24, 2007

Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido

SARAMAGO, José. Don Giovanni ou O dissoluto absolvido. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 127 p.

Por Aléxia Bretas

Ciente de uma tradição européia de quase quatro séculos de história, José Saramago resiste inicialmente diante do convite recebido para criar uma nova versão de Don Giovanni. Numa alusão ao título, mais tarde, escolhido para o texto teatral da peça musical Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, o escritor provoca: “Fica por decidir se o autor também virá a beneficiar-se de uma absolvição. Ele que se atreveu a criar o seu próprio Don Giovanni, depois de Tirso de Molina, Giliberto, Dorimon, Villiers, Molière, Rosimond, Zamora, Goldoni, Lorenzo da Ponte, Byron, Espronceda, Hoffmann, Zorilla, Pushkine, Dumas e Meérimée” (Saramago, 2005, p. 15).

Num primeiro momento, Saramago argumenta que tudo já teria sido dito sobre as aventuras de Don Giovanni (ou Don Juan), que não valia a pena repetir o que outros já tinham feito tão bem, que qualquer coisa que produzisse seria o mesmo que “chover no molhado” etc. Contudo, diante da reiterada insistência de Azio Corghi, o autor – que na época terminava seu Ensaio sobre a lucidez – promete, em desespero de causa, que se tivesse uma boa idéia, tentaria levar adiante o projeto. Dito e feito.

Em linhas gerais, pode-se dizer que Saramago, ao mesmo tempo, laiciza, humaniza e atualiza o mito de Don Juan – num certo sentido, como fizera em livros anteriores, como o Evangelho segundo Jesus Cristo, por exemplo. Seu ponto de partida é, sem dúvida, o dramma giocoso de Mozart e Da Ponte – Don Giovanni ou O dissoluto punido. Vale lembrar que a obra de Saramago tem início, praticamente, na cena em que ópera de Mozart termina – ou seja, quando a Estátua do Comendador vem levar o impenitente Don Juan para o inferno.


Charles Ricketts (1866-1931), A morte de Don Juan.

Aqui, a perspicácia do autor está em quebrar a gravidade da cena, com um episódio ridiculamente cômico: após o eloqüente pronunciamento do Comendador, acende-se uma modesta labareda no chão, vindo, imediatamente, a apagar-se, por três vezes consecutivas, e depois, definitivamente. “Acabou-se o gás” (Saramago, 2005, p. 36), ri-se o ateu. Num deliberado desacato à autoridade eclesiástica e seus protocolos, Saramago destaca a obsolescência da maldição como recurso catequético.

Além disso, ao deslocar o núcleo da intriga da verdade religiosa da Bíblia para a autoridade aritmética do catálogo onde Don Giovanni teria anotado o nome de todas as suas 2.065 conquistas, o escritor dá mais um importante passo na direção da completa secularização do drama. Nesta versão da história, tendo descoberto a existência do indiscreto registro, Elvira tenta convencer Leporello a arrancar a página com o seu nome. Diante da incisiva negação do criado, ela, então, traça sua implacável estratégia de ataque: destruir a “prova” de sua desonra, substituindo o livro por um outro idêntico, porém com as páginas em branco.

Para isso, ela vai até a casa de Don Giovanni, simula um mal-estar passageiro, e se aproveita da ausência do criado, para efetivar a troca dos documentos. Depois, a esposa traída convoca Dona Ana e Dom Otávio para a “hora da verdade”, onde o amante serial seria confrontado com os fatos alegados, e daí forçado a apresentar provas contra uma acusação contundente: a de ser impotente e, em conseqüência, jamais ter possuído uma única mulher, em toda a vida.

Conforme previsto, ao ter sua virilidade questionada por Dona Ana, Don Giovanni recorre à lista protocolar das milhares de mulheres seduzidas por ele. E qual não é o seu choque ao se dar conta de que o catálogo estava inteiramente vazio! Nesse instante, todo o seu mundo vem abaixo. E o lendário sedutor, enfim, conhece o inferno. Dona Elvira, Dona Ana, Dom Otávio e o Comendador riem-se, estentoreamente: “Sim, a maldição!” (Saramago, 2005, p. 76).

Mais uma vez, Saramago inverte as expectativas e, fugindo do déjà vu, retrata o renomado trapaceiro sendo, descaradamente, trapaceado. Aprendiz de feiticeiro, Don Juan não é mais o avatar do demônio barroco (como em Molina e Molière), nem a irresistível força da natureza romântica (como em Hoffmann), ou o arqui-poderoso Übermensch nietzschiano (como em Shaw), mas um homem de carne e osso – simplesmente, Giovanni.


Carlos Schwabe (1866-1926), Don Juan nos Infernos

Disso resulta uma importante mudança de perspectiva: “A minha idéia é que Don Giovanni, ao contrário do que sempre se diz, não é um sedutor, mas antes um permanente seduzido” (Saramago, 2005, p. 95), conta a autor. De implacável algoz dos corações femininos, o latin lover passa à vítima maior de suas artimanhas.

Neste sentido, é bastante significativo o encerramento do drama saramaguiano: procurado por Zerbina, o “dissoluto absolvido” se despe da reputação de grande conquistador e, conduzido pela camponesa, cede, enfim, ao convite implícito na frase: “É tempo que eu te conheça e me conheça a mim” (Saramago, 2005, p. 86). Sim, a história de Giovanni tem um final feliz. Reconciliando o céu e o inferno, são de Leporello as últimas palavras do drama: “Deus e o Diabo estão de acordo em querer o que a mulher quer” (Saramago, 2005, p. 90).

Tal máxima, contudo, está longe de desqualificar o heroísmo de seu protagonista. Muito pelo contrário. Numa correspondência a Corghi, Saramago destaca a enorme força ética de uma personagem incapaz de dizer “não”, mesmo quando sua própria vida encontra-se em risco. Ele observa: “Estamos perante um paradoxo: Don Giovanni, o sujeito imoral por excelência, é um homem fiel à sua própria responsabilidade ética” (Saramago, 2005, p. 96).

Enfim, somente à luz deste paradoxo, pode-se compreender inteiramente a sutileza do provérbio apresentado na epígrafe de sua não-pouco irônica releitura de Mozart: “Nem tudo é o que parece.”

Esta resenha é parte de um texto maior intitulado "Don Juan, herói da modernidade", ainda inédito.

segunda-feira, julho 16, 2007

L'amour

"O amor é a ocupação natural dos ociosos".
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 48.

quinta-feira, julho 12, 2007

Forma, Razão e Política


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quarta-feira, julho 04, 2007

Arte da Performance


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