quarta-feira, junho 27, 2007
O Olho do Diabo
Don Juan e seu criado de volta do inferno. Cena do filme O olho do diabo, de Ingmar Bergman, 1960.
"A castidade de uma donzela é um terçol no olho do diabo"
Provérbio popular
segunda-feira, junho 25, 2007
As Flores do Mal
Donjuanismo, por Albert Camus
Não, Don Juan não morreu sob uma mão de pedra. Prefiro acreditar na bravata lendária, na risada insensata do homem sadio provocando um deus que não existe. Mas acredito, principalmente, que na noite em que Don Juan estava esperando na casa de Ana, o Comendador não apareceu e o ímpio deve ter sentido, depois da meia-noite, a terrível amargura daqueles que tiveram razão. Aceito ainda melhor o relato de sua vida que o mostra, ao final, encerrado num convento. Não é que se possa considerar verossímil o lado edificante da história. Que refúgio pedir a Deus? Mas isto representa antes a culminação lógica de uma vida totalmente impregnada de absurdo, o desenlace feroz de uma existência dedicada a alegrias sem futuro. O gozo termina aqui em ascese. É preciso entender que ambos podem ser as duas faces do mesmo desenlace. Que imagem mais assustadora desejar: a de um homem a quem seu corpo trai e que, por não ter morrido a tempo, consuma a comédia esperando o fim, cara a cara com o deus que não adora, servindo-o como servivu a vida, ajoelhado diante do vazio com os braços estendidos para um céu sem eloqüência e, como ele sabe, também sem profundidade.
Vejo Don Juan numa cela daqueles monastérios espanhóis perdidos numa colina. Se ele olha para alguma coisa, não é para os fantasmas dos amores passados, mas, talvez por uma seteira ardente, para alguma planície silenciosa da Espanha, terra magnífica e sem alma onde se reconhece. Sim, é preciso fazer um alto diante desa imagem melancólica e radiante. O fim último, esperado mas nunca desejado, o fim último é desprezível.
CAMUS, Albert. Donjuanismo. In: O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp. 83-89.
Vejo Don Juan numa cela daqueles monastérios espanhóis perdidos numa colina. Se ele olha para alguma coisa, não é para os fantasmas dos amores passados, mas, talvez por uma seteira ardente, para alguma planície silenciosa da Espanha, terra magnífica e sem alma onde se reconhece. Sim, é preciso fazer um alto diante desa imagem melancólica e radiante. O fim último, esperado mas nunca desejado, o fim último é desprezível.
CAMUS, Albert. Donjuanismo. In: O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp. 83-89.
quarta-feira, junho 20, 2007
Surrealité
Max Ernst, O encontro dos amigos, 1922.
Atrás, da esquerda para a direita: Philippe Soupault, Jean Arp, Max Morise, Rafaele Sanzio, Paul Eluard, Louis Aragon, André Breton, Giorgio di Chirico, Gala Eluard.
No primeiro plano: René Crevel, Max Ernst, Fedor Dostoïevski, Théodore Fraenkel, Jean Paulhan, Benjamin Péret, Baargeld, Robert Desnos
sexta-feira, junho 15, 2007
quarta-feira, junho 13, 2007
A História do Diabo I
Em A história do diabo, Vilém Flusser oscila entre o ensaio literário e o tratado filosófico, numa ficção existencial cientificamente informada.
Por Aléxia Bretas
E, no entanto, este livro provocativo – irredutivelmente absurdo – não é decerto nada disso.
Ou pelo menos, nada disso apenas.
Como o “mestre quase chinês” Walter Benjamin, Flusser pertence àquela categoria de autores inclassificáveis, segundo Habermas, destinados a produzirem resultados heterogêneos.
Tanto que apesar de ter vivido mais de trinta anos no Brasil, este admirador de Guimarães Rosa ainda é relativamente pouco lido por aqui – e menos ainda estudado.
Até por isso, vale conferir: FLUSSER, Vilém. A história do diabo. São Paulo: Annablume, 2005.
Imagem: Gustav Doré, Satã, em ilustração de Lost Paradise, de John Milton.
Por Aléxia Bretas
E, no entanto, este livro provocativo – irredutivelmente absurdo – não é decerto nada disso.
Ou pelo menos, nada disso apenas.
Como o “mestre quase chinês” Walter Benjamin, Flusser pertence àquela categoria de autores inclassificáveis, segundo Habermas, destinados a produzirem resultados heterogêneos.
Tanto que apesar de ter vivido mais de trinta anos no Brasil, este admirador de Guimarães Rosa ainda é relativamente pouco lido por aqui – e menos ainda estudado.
Até por isso, vale conferir: FLUSSER, Vilém. A história do diabo. São Paulo: Annablume, 2005.
Imagem: Gustav Doré, Satã, em ilustração de Lost Paradise, de John Milton.
Homens Famosos I
VILÉM FLUSSER
Há pelos menos duas maneiras para se conseguir fama: ser glorioso e ser infame. (Isto é: havia tais maneiras antes da revolução dos meios de comunicação de massa. Atualmente há outras, mais eficientes). O importante é isto: tanto faz ser glorioso ou ser infame, já que glória e infâmia são reversíveis. A reversão, quando ocorre, é instrutiva. Permite julgar, não o homem famoso, mas o fenômeno da fama.
Há trinta anos a glória de Nero era esta: ter ele avançado, de um simples Lucius Domitius Nero, para Nero Claudius Caesar Augustus Germanicus Imperator, ter aumentado o Império na Armênia e na Britânia, ter construído obras grandiosas e ter concedido à Grécia liberdade. A glória na sua infância era esta: ter matado sua mãe e vários outros parentes, ter perseguido os cristãos (leia-se judeus) e ter tocado lira enquanto Roma ardia. Atualmente a situação é outra. Aumentar impérios é infame, não glorioso. Construir obras grandiosas não é nem glorioso nem infame, é corriqueiro. Conceder liberdade é infame (já que a liberdade deve ser conquistada, não concedida, para ser liberdade). Matar sua mãe não é nem glorioso nem infame, mas é sintoma de psicopatologia. Perseguir judeus e cristãos é glorioso para uns, infame para outros. Mas tocar lira enquanto Roma arde, isto sim, é glorioso. Um happening de primeira categoria.
A glória independe dos fatos. Os fatos são estes: Roma pegou fogo por razões ignoradas em 64 d.C., e dois terços da cidade ficaram destruídos. Nero foi acusado injustamente de ter causado o fogo e desviou a acusação sobre os cristãos, já que estes contestavam o establishment. Os fatos não mencionam o violino, e o fogo nada tinha a ver com a morte de Nero (que morreu em 68). A glória se baseia, não em fatos, mas em lenda. Esta: enquanto Roma ardia, Nero tocava, e exclamando Qualis artifex pereo (Que grande artista morre comigo), morreu nas chamas. Esta a glória, e Tácito e Suetônio que se danem.
Esta a glória, porque modelo esplendoroso de arte pura, de arte efêmera, de arte conceitual, de antiarte, de improvisação, de living theater, de exposição autêntica, em suma: de superação da crise na qual se debatem as artes na atualidade. A pop-art, a arte fotográfica neo-realista, o movimento cinético e os acontecimentos experimentais em vão procuram aproximar-se da perfeição exemplificada por Nero. Imaginem a coisa transportada, mutadis mutandis, para o incêndio do edifício Andraus e terão idéia pálida das possibilidades inerentes em Nero. E depois julguem, não Nero, mas a atualidade.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo, em 1972, e republicada no livro Ficções filosóficas, atualmente esgotado. Cf. FLUSSER, Vilém. Ficções filosóficas. São Paulo: EDUSP, 1998. pp. 153-4.
Há pelos menos duas maneiras para se conseguir fama: ser glorioso e ser infame. (Isto é: havia tais maneiras antes da revolução dos meios de comunicação de massa. Atualmente há outras, mais eficientes). O importante é isto: tanto faz ser glorioso ou ser infame, já que glória e infâmia são reversíveis. A reversão, quando ocorre, é instrutiva. Permite julgar, não o homem famoso, mas o fenômeno da fama.
Há trinta anos a glória de Nero era esta: ter ele avançado, de um simples Lucius Domitius Nero, para Nero Claudius Caesar Augustus Germanicus Imperator, ter aumentado o Império na Armênia e na Britânia, ter construído obras grandiosas e ter concedido à Grécia liberdade. A glória na sua infância era esta: ter matado sua mãe e vários outros parentes, ter perseguido os cristãos (leia-se judeus) e ter tocado lira enquanto Roma ardia. Atualmente a situação é outra. Aumentar impérios é infame, não glorioso. Construir obras grandiosas não é nem glorioso nem infame, é corriqueiro. Conceder liberdade é infame (já que a liberdade deve ser conquistada, não concedida, para ser liberdade). Matar sua mãe não é nem glorioso nem infame, mas é sintoma de psicopatologia. Perseguir judeus e cristãos é glorioso para uns, infame para outros. Mas tocar lira enquanto Roma arde, isto sim, é glorioso. Um happening de primeira categoria.
A glória independe dos fatos. Os fatos são estes: Roma pegou fogo por razões ignoradas em 64 d.C., e dois terços da cidade ficaram destruídos. Nero foi acusado injustamente de ter causado o fogo e desviou a acusação sobre os cristãos, já que estes contestavam o establishment. Os fatos não mencionam o violino, e o fogo nada tinha a ver com a morte de Nero (que morreu em 68). A glória se baseia, não em fatos, mas em lenda. Esta: enquanto Roma ardia, Nero tocava, e exclamando Qualis artifex pereo (Que grande artista morre comigo), morreu nas chamas. Esta a glória, e Tácito e Suetônio que se danem.
Esta a glória, porque modelo esplendoroso de arte pura, de arte efêmera, de arte conceitual, de antiarte, de improvisação, de living theater, de exposição autêntica, em suma: de superação da crise na qual se debatem as artes na atualidade. A pop-art, a arte fotográfica neo-realista, o movimento cinético e os acontecimentos experimentais em vão procuram aproximar-se da perfeição exemplificada por Nero. Imaginem a coisa transportada, mutadis mutandis, para o incêndio do edifício Andraus e terão idéia pálida das possibilidades inerentes em Nero. E depois julguem, não Nero, mas a atualidade.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo, em 1972, e republicada no livro Ficções filosóficas, atualmente esgotado. Cf. FLUSSER, Vilém. Ficções filosóficas. São Paulo: EDUSP, 1998. pp. 153-4.
terça-feira, junho 12, 2007
segunda-feira, junho 11, 2007
O Filósofo que Chora e o Filósofo que Ri
quarta-feira, junho 06, 2007
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