quarta-feira, dezembro 29, 2010

Do Desejo, por Hilda Hilst

Lembra-te que há um querer doloroso
E de fastio a que chamam de amor.
E outro de tulipas e de espelhos
Licencioso, indigno, a que chamam desejo.
Há o caminhar um descaminho, um arrastar-se
Em direção aos ventos, aos açoites
E um único extraordinário turbilhão.
Por que me queres sempre nos espelhos
Naquele descaminhar, no pó dos impossíveis
Se só me quero viva nas tuas veias?

Hilda Hilst. Do desejo.
(Campinas: Pontes, 1992, p. 15).

quarta-feira, dezembro 15, 2010

O Inferno de Dante, por Botticelli


Sandro Botticelli, Inferno, Canto XVIII, 1480.

O oitavo círculo, que Dante chama "Malebolge" (literalmente, maus bornais), é constituído de dez valas concêntricas separadas por diques, sobre os quais se apóia uma ponte de pedra que os interliga desde a primeira vala periférica até a cava central. Em cada vala é punida uma categoria de fraude: na primeira estão os rufiões e os sedutores, separadas em duas filas que circulam em sentido contrário. Na primeira, Dante reconhece Venedico Cacianemico e na segunda Jasão. Na segunda vala, sobre a qual os poetas chegam passando pela ponte, Dante tem a visão dos aduladores que estão imersos no esterco. Aí Dante encontra Alessio Interminei e Virgílio lhe indica Taís.

ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia: Inferno.
(São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 127).

terça-feira, dezembro 14, 2010

Die Liebe, por Else Lasker-Schüler

"Alles ist tot,
Nur du und ich nicht."

"Tudo está morto,
só você e eu não".

Else Lasker-Schüler. "Doktor Benn",
in: PINTHUS, Kust. Menschheitsdämmerung:
ein Dokument des Expressionismus.

Berlim: Rowohlt, 2009, p. 147.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

O Inferno de Dante, por Delacroix


Eugène Delacroix, A barca de Dante, 1822.

domingo, dezembro 12, 2010

O Apocalipse de Dürer


Albrecht Dürer, Os quatro cavaleiros do apocalipse, 1498.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Ressonâncias lítero-filosóficas


Para saber mais sobre o curso, clique no título deste post.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

O Juízo Final, Capela Sistina


Michelangelo Buonarroti, O Juízo final,
Capela Sistina, Vaticano, Roma.

terça-feira, dezembro 07, 2010

A Criação de Adão, por Michelangelo


Michelangelo Buonarroti, A criação de Adão,
afresco da Capela Sistina, Vaticano, Roma, 1510.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

História de um Amor

"Você acabou de fazer oitenta e dois anos. Continua bela, graciosa e desejável. Faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. Recentemente, eu me apaixonei por você mais uma vez, e sinto em mim, de novo, um vazio devorador, que só o seu corpo estreitado contra o meu pode preencher. À noite eu vejo, às vezes, a silhueta de um homem que, numa estrada vazia e numa paisagem deserta, anda atrás de um carro fúnebre. Eu sou esse homem. É você que esse carro leva. Não quero assistir à sua cremação; nem quero receber a urna com as suas cinzas. 'Die Welt ist leer, Ich will nicht leben mehr' [o mundo está vazio, não quero mais viver], e desperto. Eu vigio a sua respiração, minha mão toca você. Nós desejaríamos não sobreviver um à morte do outro. Dissemo-nos sempre, por impossível que seja, que, se tivéssemos uma segunda vida, iríamos querer passá-la juntos".

André Gorz, Carta à D.: História de um amor
(São Paulo: Annablume; Cosac Naify, 2008, p. 70-71)

domingo, dezembro 05, 2010

Michelangelo no Studio


Eugène Delacroix, Michelangelo no studio, 1849-50.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Filosofia da Nova Música

"Parece realmente cínico que, depois do que ocorreu na Europa e o que ainda ameaça ocorrer, dedique tempo e energia intelectual a decifrar os problemas esotéricos da moderna técnica da composição; além disso, as obstinadas discussões do texto, puramente formais, com frequência referem-se diretamente a uma realidade que não se interessa por elas. Mas talvez este começo excêntrico lance alguma luz sobre uma situação cujas conhecidas manifestações somente servem para mascará-la e cujo protesto só adquire voz quando a conivência oficial e pública assume uma simples atitude de não-participação. Trata-se apenas da música. Como poderá estar constituído um mundo em que até os problemas do contraponto são testemunhos de conflitos inconciliáveis? Até que ponto a vida estará atualmente perturbada, se cada estremecimento seu e cada rigidez sua se reflete ainda num plano a que não chega nenhuma necessidade empírica, numa esfera em que, segundo os homens acreditam, há um asilo seguro contra a pressão da norma funesta, e que cumpre sua promessa apenas negando-se ao que os homens esperam dela?"

Theodor W. Adorno. Filosofia da nova música.
(São Paulo, Perspectiva, 2009, p. 11)

terça-feira, novembro 30, 2010

Aurélia, de Gérard de Nerval

"O sonho é uma segunda vida. Eu não pude transpor essas portas de cornucópia ou marfim que nos separam do mundo invisível sem deixar de estremecer. Os primeiros instantes do sono são a imagem da morte; um entorpecimento nebuloso apodera-se de nosso pensamento e não podemos determinar o instante preciso em que o Eu, sob uma outra forma, prossegue a obra da existência. Um vago subterrâneo ilumina-nos aos poucos, e da sombra e da noite desprendem-se as pálidas figuras gravemente imóveis que habitam a morada dos limbos. Depois o quadro se forma, uma nova claridade ilumina essas aparições extraordinárias, animando-as: o mundo dos Espíritos se abre para nós.

Swedenborg chamava tais visões de Memorabilia. Ele as atribuía com mais frequência ao devaneio do que ao sono; O asno de ouro de Apuleu, a Divina comédia de Dante, são os modelos poéticos desses estudos da alma humana. Tentarei, a exemplo deles, transcrever as impressões de uma longa doença ocorrida nos mistérios de meu espírito -- não sei por que me sirvo deste termo doença, pois jamais, no que me concerne, passei tão bem de saúde. Às vezes eu me sentia duplamente mais forte e ativo; parecia-me saber tudo, compreender tudo; a imaginação trazia-me delícias infinitas. Recobrando o que os homens chamam de razão, não deveria eu lamentar tê-las perdido?..."

Gérard de Nerval. Aurélia.
(São Paulo, Iluminuras, 1991, p. 35)

segunda-feira, novembro 29, 2010

A Ofélia de Delacroix


Eugène Delacroix, A morte de Ofélia, 1838.

domingo, novembro 28, 2010

A Descoberta do Diálogo

"Uns quinhentos anos antes da era cristã aconteceu na Magna Grécia a melhor coisa registrada na história universal: a descoberta do diálogo. A fé, a certeza, os dogmas, os anátemas, as preces, as proibições, as ordens, os tabus, as tiranias, as guerras e as glórias assediavam o orbe; alguns gregos contraíram, nunca saberemos como, o singular costume de conversar. Duvidaram, persuadiram, discordaram, mudaram de opinião, adiaram. Quiçá foram ajudados por uma mitologia, que era, como o Shinto, um conjunto de fábulas imprecisas e de cosmogonias variáveis. Essas dispersas conjecturas foram a primeira raíz do que hoje chamamos, não sem pompa, de metafísica. Sem esses poucos gregos conversadores, a cultura ocidental é inconcebível".

Jorge Luis Borges e Osvaldo Ferrari. Sobre a amizade e outros diálogos.
(São Paulo, Hedra, 2009, p. 21).

sexta-feira, novembro 26, 2010

Fragmentos Críticos, por Friedrich Schlegel

"Naquilo que se chama filosofia da arte falta habitualmente uma das duas: ou a filosofia, ou a arte".

Friedrich Schlegel. O dialeto dos fragmentos.
(São Paulo, Iluminuras, 1997, p. 22)

quinta-feira, novembro 25, 2010

O Livro do Chá, por Kakuzo Okakura

"O chá é uma obra de arte e necessita de uma mão magistral para revelar suas qualidades mais nobres. Existem chás bons e ruins, assim como há pinturas boas e medíocres -- estas geralmente em maior número. Não há uma receita única para se preparar o chá perfeito, da mesma maneira que não há regras para se produzir um Ticiano ou um Sesson. Cada preparado das folhas tem sua individualidade, sua afinidade específica com a água e o calor, memórias hereditárias a relembrar, e seu próprio método de contar uma história. O verdadeiramente belo deve estar sempre nele. Quanto não sofremos pela constante falha da sociedade em reconhecer esta simples e fundamental lei de arte e vida. Lichihlai, um poeta da dinastia Sung, observou com tristeza que havia três coisas extremamente deploráveis no mundo: estragar jovens promissores em decorrência de uma educação incorreta, degradar pinturas de qualidade pela admiração vulgar e desperdiçar totalmente um bom chá por manipulação incompetente".

Kakuzo Okakura. O livro do chá.
(São Paulo, Estação Liberdade, 2008, p. 41-42).

terça-feira, novembro 23, 2010

Odilon Redon, 1888


Odilon Redon,"Pl.III. … et un grand oiseau, qui descend du ciel,
vient s'abattre sur le sommet de sa chevelure…", 1888.

domingo, novembro 21, 2010

Arte sem Arte, por Ferreira Gullar


Lygia Clark, Bicho, 1960.

"NÃO TENHO a pretensão de estar sempre certo no que escrevo, nas opiniões que emito, muito embora acredite seriamente nelas.

Não foi à toa que, de gozação, me apelidaram de profissional do pensamento, por tanto atazanar os amigos com minhas indagações e tentativas de explicação. Por isso também volto a certos temas, desde que descubra, ao repensá-los, modos outros de enfocá-los e entendê-los.

Se há um tema sobre o qual estou sempre indagando é a situação atual das artes plásticas, precisamente porque exorbitaram os limites do que -segundo meu ponto de vista- se pode chamar de arte.

Sei muito bem que alguém pode alegar que arte não se define e que toda e qualquer tentativa de fazê-lo contraria a natureza mesma da arte. Esse é um argumento ponderável e muito usado ultimamente, mas acerca do qual levanto dúvidas.

Concordo com a tese de que arte não se define, mas não resta dúvida de que, quando ouço Mozart, sei que é música e, quando vejo Cézanne, sei que é pintura. Logo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de definir o que é arte não elimina o fato de que as obras de arte têm qualidades específicas que as distinguem do que não o é.

Do contrário, cairíamos numa espécie de vale-tudo, numa posição insustentável mesmo para o mais radical defensor do que hoje se intitula de arte contemporânea.

Isto é, o sujeito teria de admitir que uma pintura medíocre tem a mesma qualidade expressiva que uma obra-prima e que ele mesmo teria de se obrigar a gostar indistintamente de toda e qualquer coisa que lhe fosse apresentada como arte. Por mais insensato que possa ser alguém na defesa de uma tese qualquer, não poderia evitar que esta ou aquela coisa que vê ou ouve ou lê tenha a capacidade maior ou menor de sensibilizá-lo, emocioná-lo ou deixá-lo indiferente.

Creio não haver dúvida de que, seja ou não possível definir o que é arte, há coisas que nos emocionam ou nos fascinam ou nos deslumbram e outras que nos deixam indiferentes.

Se se der ou não a tais coisas a qualificação de arte, pouco importa: é inegável que a "Bachiana nº 4" é belíssima e que um batecum qualquer não se lhe compara, não nos dá o prazer que aquela obra de Villa-Lobos nos dá.

Do mesmo, um desenho de Marcelo Grassmann me encanta e um desenho medíocre me deixa indiferente. Mas um artista conceitual -ou que outras qualificação se lhe dê- responderá que esta visão minha é velha, ultrapassada, pois ainda leva em conta valores estéticos, enquanto a nova arte não liga mais para isso. Mas pode haver arte sem valor estético? Arte sem arte?

Essa pergunta me leva à experiência radical de Lygia Clark (1920-1988), sob muitos aspectos antecipadora do que hoje se chama arte conceitual.

Dando curso à participação do espectador na obra de arte -elemento fundamental da arte neoconcreta-, chega à conclusão de que pode ele ir além, de espectador-participante a autor da obra, bastando, por exemplo, cortar papel ou provocar em si mesmo sensações táteis ou gustativas. Assim atingimos, diz ela, o singular estado de arte sem arte.

De fato, esse rumo tomado por alguns artistas resultou da destruição da linguagem estética e na entrega a experiências meramente sensoriais, anteriores portanto a toda e qualquer formulação.

Descartando assim a expressão estética, concluíram que se negar a realizar a obra é reencontrar as fontes genuínas da arte. E, se o que se chama de arte é o resultado de uma expressão surgida na linguagem da pintura, da gravura ou da escultura, buscar se expressar sem se valer dessa linguagem seria fazer arte sem arte ou, melhor dizendo, ir à origem mesma da expressão.

Isso nos leva, inevitavelmente, a perguntar se toda expressão é arte. Exemplo: se amasso uma folha de papel, o que daí resulta é uma forma expressiva; pode-se dizer que se trata de uma obra de arte? Se admito que sim, todo mundo é artista e tudo o que se faça é arte.

Já eu considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Leonardo da Vinci e de Vincent van Gogh ou que esse talento seja apenas mais um preconceito inventado pelos antigos. As pessoas são iguais em direitos, mas não em qualidades."

Texto originalmente publicado no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2010.

sábado, novembro 20, 2010

Loucos e Santos, por Oscar Wilde

"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer,
mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças
e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto;
e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos,
nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril".

****

"I choose my friends not by their skin or other archetype, but by the pupil.
They have to have questioning shine and unsettled tone.
I'm not interested in the good spirits or the ones with bad habits.
I'll stick with the ones that are made of me being crazy and blessed.
From them, I don't want an answer, I want to be reviewed.
I want them to bring me doubts and fears and to tolerate the worst of me.
But that only being crazy.
I want saints, so they dount doubt differences and ask for forgiveness for injustices.
I choose my friends for their clean face and their soul exposed.
I don't just want a man or a skirt, I also want his greatest happiness.
A friend that doesn't laugh together doesn't know how to cry together.
All my friends are like that, half foolish, half serious.
I don't want forseen laughter or cries full of pity.
I want serious friends, those that make reality their fountain of knowledge, but that fight to keep fantasy alive.
I don't want adult or boring friends.
I want half kids and half elderly.
Kids, so they don't forget the value of the wind blowing on their faces and elderly people so they're never in a hurry.
I have friends to know who I am.
Then seeing them as clowns and serious, crazy and saints, young and old, I will never forget that 'normalcy' is a steril and imbecil illusion".

Oscar Wilde. The Complete Works of Oscar Wilde.
(London, Harper Perennial Modern Classics Edition, 2008).

sexta-feira, novembro 19, 2010

A História de Peter Schlemihl


Concebido pelo romântico Adelbert von Chamisso, este conto fantástico narra a história de Peter Schlemihl, um jovem de pernas longas que negocia sua sombra com o Diabo em troca de uma inesgotável fortuna. Ilustração de G. Cruikshank, 1827.

"De que valeriam asas a alguém preso por correntes de ferro? Ainda mais medonho seria o meu desespero. Estava, como Faffner [dragão que nas sagas germânicas guarda o tesouro dos Nibelungos] junto a seu tesouro, distante de todo apoio humano, definhando com o ouro pelo qual não tinha amor nenhum, mas que amaldiçoava, pois por sua causa me via apartado da vida. Alimentando na solidão meu lúgubre segredo, sentia medo até do mais desprezível dos meus criados, ao mesmo tempo em que o invejava, pois ele tinha uma sombra e podia mostrar-se ao sol. Passava, solitário, dias e noites em meus aposentos, tornando-me cada vez mais triste, e a dor ia corroendo meu coração".

Adelbert von Chamisso. A História Maravilhosa de Peter Schlemihl.
(São Paulo, Estação Liberdade, 2003, p. 53)