"Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos -- e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos? Com razão alguém disse: 'onde estiver teu tesouro, estará também meu coração'. Nosso tesouro está onde estão as colmeias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito -- levar algo 'para casa'. Quanto ao mais da vida, as chamadas 'vivências', qual de nós pode levá-las a sério? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes, receio, estamos sempre 'ausentes': nelas não temos nosso coração -- para elas não temos ouvidos. Antes, como alguém divinamente disperso e imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido as doze batidas do meio-dia, e súbito acorda e se pergunta 'o que foi que soou?', também nós por vezes abrimos depois os ouvidos e perguntamos, surpresos e perplexos inteiramente, 'o que foi que vivemos?', e também 'quem somos realmente?', e em seguida contamos, depois, como disse, as doze vibrantes batidas da nossa vivência, nossa vida, nosso ser -- ah! e contamos errado... Pois continuamos necessariamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos mal-entender, a nós se aplicará para sempre a frase: 'Cada qual é o mais distante de si mesmo'-- para nós mesmos somos 'homens do desconhecimento'..."
Friedrich Nietzsche. Genealogia da Moral.
(São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 7-8).
Um comentário:
maravilha. Não escrevia tão bem como Foucault, na minha modesta opinião,apesar de muito o ter influenciado, mas as palavras são primorosamente escolhidas.
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