"Meu destino é a língua castelhana,
O bronze de Francisco de Quevedo,
Mas pela lenta noite caminhada
Exaltam-me outras músicas mais íntimas.
Umas me foram dadas pelo sangue --
Oh, voz de Shakespeare e da Escritura --,
E outras pelo acaso dadivoso,
Mas a ti, doce língua da Alemanha,
Solitário elegi e procurei.
Por entre vigílias e gramáticas,
Em meio à selva das declinações,
Do dicionário, que jamais atina
Com o matiz preciso, me aproximei.
Minhas noites são repletas de Virgílio,
Disse uma vez; e diria também
de Hölderlin e de Angelus Silesius.
Heine me deu seus altos rouxinóis;
Goethe, a ventura de um amor tardio,
A um só tempo indulgente e mercenário;
Keller, a rosa que certa mão deixa
Na mão daquela morto que a amava
E que não vai saber se é branca ou rubra.
Tu, língua da Alemanha, és tua obra
Capital: esse amor entrelaçado
Das palavras compostas, as vogais
Abertas, e esses sons que condescendem
Com o estudioso hexâmetro do grego,
Com teu rumor de selvas e de noites.
Foste minha algum dia. Hoje, no linde
De meus anos cansados, te diviso
Longíqua como a álgebra e a lua".
Jorge Luis Borges,
"Ao idioma alemão", O ouro dos tigres
in: Obras Completas, Vol. 2.
São Paulo: Globo, 1999, p. 529.
Um comentário:
Cada vez mais fico admirado com Jorge Luis Borges!
Este poema faz com que admiremos não somente a riqueza da língua castelhana, como também o inglês, o latim e por fim o alemão!
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