sábado, novembro 13, 2010
Elogio da Loucura, por Erasmo de Roterdã
Hans Holbein, Retrato de Erasmo de Roterdã escrevendo, 1523.
"Depois deles [juristas, dialéticos e sofistas], vem os filósofos, homens muito respeitáveis, seguramente, pela barba e o manto, homens que se orgulham de ser os únicos sábios da terra e que olham os outros homens como sombras vãs que se agitam na superfície do globo. Que prazer sentem eles quando, em seu delírio filosófico, criam no universo uma quantidade inumerável de mundos diversos; quando nos dão a grandeza do sol, da lua, das estrelas e das outras esferas com tanta exatidão como se as tivessem medido com uma régua ou com um barbante; quando nos explicam as causas do trovão, dos ventos, dos eclipses e outros fenômenos inexplicáveis, falando sempre com tanta confiança como se tivessem sido os secretários da natureza quando ela ordenou o mundo, ou como se acabassem de chegar do conselho dos deuses! Mas essa natureza, infinitamente acima de todas as pequenas ideias dos filósofos, zomba deles e de suas conjecturas. Uma prova bastante evidente de que não possuem nenhum conhecimento certo é que mantêm entre si, sobre suas diferentes opiniões, disputas das quais nada se pode compreender. Não sabem absolutamente nada e orgulham-se de saber de tudo. Não conhecem nem a si próprios; às vezes a fraqueza de sua visão ou a distração de seu espírito divagador faz que não vejam um buraco ou uma pedra logo à frente de seu caminho. No entanto, a ouvi-los, eles enxergam perfeitamente as ideais, os universais, as formas substanciais, a matéria primeira, as quididades, as entidades, coisas tão minúsculas que não creio que um lince pudesse jamais percebê-las. Com que desprezo, sobretudo, não consideram o vulgo profano, quando sobrepõem, uns sobre os outros, triângulos, círculos, quadrados e uma infinidade de outras figuras matemáticas entrelaçadas em forma de labirinto, ou quando, acrescentando a essas figuras letras dispostas em ordem de batalha, combinadas e recombinadas de mil maneiras diferentes, lançam trevas sobre as coisas mais claras e as tornam incompreensíveis aos ignorantes que os escutam! Vários deles, inclusive, orgulham-se de ler o futuro nos astros e prometem coisas que a maior mágico não ousaria prometer. Loucos felizes, que encontram gente bastante tola para acreditar neles!"
Desidério Erasmo, Elogio da loucura.
(Porto Alegre: L&PM, 2008, pp. 84-85.)
Perche non:)
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