quarta-feira, março 28, 2007
Benetton: Estetização da Política?
United Colors of Benetton, Food for Peace, Fevereiro 2003.
United Colors of Benetton, Food for Education I, Fevereiro 2003.
United Colors of Benetton, Food for Work I, Fevereiro 2003.
United Colors of Benetton, Food for Life, Fevereiro 2003.
United Colors of Benetton, Direitos Humanos -- Homens, Março 1998.
United Colors of Benetton, Direitos Humanos -- Mulheres, Março 1998.
United Colors of Benetton, Corações, Março 1996.
United Colors of Benetton, Cavalos, Março 1996.
United Colors of Benetton, Soldado Bósnio, Fevereiro 1994.
United Colors of Benetton, Aids -- David Kirkby, Fevereiro 1992.
United Colors of Benetton, Pássaro, Setembro 1992.
United Colors of Benetton, Amamentando, Setembro 1989.
United Colors of Benetton, Algemas, Setembro 1989.
Estas e muitas outras imagens estão disponíveis para download em alta resolução (300 dpi) no site do Benetton Media Center. Para ter acesso aos arquivos, clique no título deste post.
Arte e Dor
Evidentemente se quiséssemos discutir todos os aspectos da questão arte e dor/violência deveríamos analisar ainda a função dessa arte em um registro que não o do âmbito muito restrito das Bienais e exposições de arte.
Peter Witkin, Woman once a bird, Los Angeles, 1990.
MÁRCIO SELIGMANN-SILVA
A arte contemporânea, apesar de ter conquistado uma esfera da liberdade estética oposta ao programa da educação estética da humanidade de um Schiller, representa uma esfera onde os principais problemas da contemporaneidade estão sendo refletidos e retrabalhados de um modo ao mesmo tempo vertiginoso e criativo.
Se para Schelling o artista era o mediador do Universal, hoje em dia tendemos a ver na sua arte a manifestação de um 'real' que assombra a nossa sociedade super-tecnológica. Essa arte decerto não pretende dar 'respostas' aos nossos atuais dilemas.
Mas cabe a nós dialogar com a 'arte da dor' que pode nos mostrar não apenas como pensar as fraturas das nossas identidades, mas também pode justamente nos ensinar a não esperar respostas completas e prontas para os desafios impostos pelo convívio em uma sociedade agredida pelas violências tecnológica, urbana e social, acuada pela questão da diferença e pelas duas vertentes mais irracionais da 'solução' dessa questão: a da globalização, que nega as diferenças e a do fundamentalismo, que reafirma a velha ontologia racista.
O campo do estético não pode mais ser pensado como independente do ético.
SELIGMANN-SILVA, Márcio. O local da diferença. São Paulo: Ed. 34, 2005, p. 56.
Peter Witkin, Woman once a bird, Los Angeles, 1990.
MÁRCIO SELIGMANN-SILVA
A arte contemporânea, apesar de ter conquistado uma esfera da liberdade estética oposta ao programa da educação estética da humanidade de um Schiller, representa uma esfera onde os principais problemas da contemporaneidade estão sendo refletidos e retrabalhados de um modo ao mesmo tempo vertiginoso e criativo.
Se para Schelling o artista era o mediador do Universal, hoje em dia tendemos a ver na sua arte a manifestação de um 'real' que assombra a nossa sociedade super-tecnológica. Essa arte decerto não pretende dar 'respostas' aos nossos atuais dilemas.
Mas cabe a nós dialogar com a 'arte da dor' que pode nos mostrar não apenas como pensar as fraturas das nossas identidades, mas também pode justamente nos ensinar a não esperar respostas completas e prontas para os desafios impostos pelo convívio em uma sociedade agredida pelas violências tecnológica, urbana e social, acuada pela questão da diferença e pelas duas vertentes mais irracionais da 'solução' dessa questão: a da globalização, que nega as diferenças e a do fundamentalismo, que reafirma a velha ontologia racista.
O campo do estético não pode mais ser pensado como independente do ético.
SELIGMANN-SILVA, Márcio. O local da diferença. São Paulo: Ed. 34, 2005, p. 56.
segunda-feira, março 26, 2007
O Performer Essencial
Para o ator de ficção seus instrumentos básicos serão o texto, o contexto da peça, época em que acontece, relações entre os personagens. Para o performer essencial, seu instrumento é o espaço e como ele se desloca ali.
DENISE STOKLOS
No teatro essencial não há personagens. Há "persona", há "in-corporamento" das opções do próprio performer, à vista do público, na atualidade de sua performance.
[Por isso] (...) o performer essencial será sempre político. Não importa a ele nada que na finalidade não signifique possibilidade de convite a questionamento, reflexão, ação e transformação.
Tudo que ele traga à cena será para a elaboração de uma opção. Ele será indignado, pois todos os temas escolhidos lhe sugerem algo imperfeito. Algo que lhe requisita participação. E no palco ele está para apresentar sua questão de ordem.
Denise Stoklos, O performer essencial, 2001.
Para ter acesso ao site da autora, clique no título deste post.
DENISE STOKLOS
No teatro essencial não há personagens. Há "persona", há "in-corporamento" das opções do próprio performer, à vista do público, na atualidade de sua performance.
[Por isso] (...) o performer essencial será sempre político. Não importa a ele nada que na finalidade não signifique possibilidade de convite a questionamento, reflexão, ação e transformação.
Tudo que ele traga à cena será para a elaboração de uma opção. Ele será indignado, pois todos os temas escolhidos lhe sugerem algo imperfeito. Algo que lhe requisita participação. E no palco ele está para apresentar sua questão de ordem.
Denise Stoklos, O performer essencial, 2001.
Para ter acesso ao site da autora, clique no título deste post.
quinta-feira, março 22, 2007
A Sociedade como Obra de Arte
Superação histórica da arte significa, como possibilidade de hoje, a fusão da produção material e intelectual, a compenetração recíproca do trabalho socialmente necessário e do trabalho criativo, da utilidade e da beleza, do valor de uso e do valor. Uma tal unidade não é possível como embelezamento organizado do feio, como invólucro decorativo do brutal, mas apenas como a forma de vida universal que homens livres podem se dar numa sociedade livre.
Herbert Marcuse, A sociedade como obra de arte, 1967.
Marcuse e o Movimento dos Estudantes, Berlim, 1968.
Herbert Marcuse, A sociedade como obra de arte, 1967.
Marcuse e o Movimento dos Estudantes, Berlim, 1968.
terça-feira, março 20, 2007
O Mito de Sísifo
ALBERT CAMUS
Sísifo é o herói absurdo. Tanto por causa de suas paixões como por seu tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo o ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões desta Terra. Nada nos dizem sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. No caso deste, só vemos todo o esforço de um corpo tenso ao erguer a pedra enorme, empurrá-la e ajudá-la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada; vemos o rosto crispado, a bochecha colada contra a pedra, o socorro de um ombro que recebe a massa coberta de argila, um pé que a retém, a tensão dos braços, a segurança totalmente humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse prolongado esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a meta é atingida. Sísifo contempla então a pedra despencando em alguns instantes até esse mundo inferior de onde ele terá que tornar a subi-la até os picos. E volta à planície.
É durante esse regresso, essa pausa que Sísifo me interessa. Um rosto que padece tão perto das pedras já é pedra ele próprio! Vejo esse homem descendo com passos pesados e regulares de volta para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora, que é como uma respiração e que se repete com tanta certeza quanto sua desgraça, essa hora é a da consciência. Em cada um desses instantes, quando ele abandona os cumes e mergulha pouco a pouco nas guaridas dos deuses, Sísifo é superior ao seu destino. É mais forte que sua rocha.
Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria a sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo.
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. São Paulo: Record, 2004, pp. 138-9.
Imagem: Tiziano, Sísifo, 1548/9. Óleo sobre tela, 2,37x2,16m, Museu do Prado, Madri.
Sísifo é o herói absurdo. Tanto por causa de suas paixões como por seu tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo o ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões desta Terra. Nada nos dizem sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. No caso deste, só vemos todo o esforço de um corpo tenso ao erguer a pedra enorme, empurrá-la e ajudá-la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada; vemos o rosto crispado, a bochecha colada contra a pedra, o socorro de um ombro que recebe a massa coberta de argila, um pé que a retém, a tensão dos braços, a segurança totalmente humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse prolongado esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a meta é atingida. Sísifo contempla então a pedra despencando em alguns instantes até esse mundo inferior de onde ele terá que tornar a subi-la até os picos. E volta à planície.
É durante esse regresso, essa pausa que Sísifo me interessa. Um rosto que padece tão perto das pedras já é pedra ele próprio! Vejo esse homem descendo com passos pesados e regulares de volta para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora, que é como uma respiração e que se repete com tanta certeza quanto sua desgraça, essa hora é a da consciência. Em cada um desses instantes, quando ele abandona os cumes e mergulha pouco a pouco nas guaridas dos deuses, Sísifo é superior ao seu destino. É mais forte que sua rocha.
Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria a sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo.
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. São Paulo: Record, 2004, pp. 138-9.
Imagem: Tiziano, Sísifo, 1548/9. Óleo sobre tela, 2,37x2,16m, Museu do Prado, Madri.
quarta-feira, março 07, 2007
Um Outro Esclarecimento é Possível?
Contadas seis décadas desde a publicação do livro mais negro da Escola de Frankfurt (a Dialética do Esclarecimento, 1947), fenômenos como o desenvolvimento das redes, a emergência do software livre, a atuação da mídia independente e, sobretudo, o movimento pela Cultura Livre poderiam ser tomados, no limite, como contra-agentes da indústria cultural -- e, portanto, como avatares de uma outra Aufklärung?
terça-feira, março 06, 2007
Quando os museus viram mercadoria
Em busca de novas fontes de dinheiro e prestígio, grandes museus do mundo partem para o aluguel de acervos, relações submissas com o mecenato, atração obsessiva de público. Que isso significa para a preservação das obras e das próprias idéias de arte e cultura?
Philippe Pataud Célérier
Nos novos conceitos de marketing cultural urbano, o museu torna-se o timão de projetos urbanísticos para atrair turistas e exposições. Ninguém ignora que “o consumo dos turistas dirige-se para onde há grandes iniciativas culturais” [6]. Cerca de 800 milhões de pessoas se dirigiram de um país a outro em 2005 [7]. Cada território quer seu próprio museu, cada museu seu anexo: de Atlanta a Cingapura; dos países do Golfo a Hong Kong; amanhã, a China. A fundação privada Guggenheim é a mais agressiva. Sua rede estende-se de Veneza a Berlim, de Bilbao a um hotel-cassino em Las Vegas, ao qual o Museu Hermitage de São Petersburgo aluga suas coleções para compensar o parco incentivo do Estado russo. Na França, os grandes museus se internacionalizam. “Não tenhamos medo das palavras. Eles comercializam seu patrimônio para ampliar as fontes de renda”, especifica Françoise Cachin, ex-diretora do Musées de France, comentando a parceria com Atlanta.
Descaso do Estado? “É um fantasma”, antecipa o ministro da Cultura em sua apresentação do orçamento para 2007. Mas ninguém foi preterido. Se os museus se multiplicam, os recursos públicos se diluem. Cada um deve aumentar seus próprios recursos. Os fundos para o Louvre passaram de 39,4 milhões de euros para 69,4 milhões de euros, entre 2000 e 2005. No Pompidou, as receitas da bilheteria aumentaram 41%, enquanto o lucro comercial aumentou mais de 64,4% (concessões, locação de espaços, trocas e permutas) [8]. Essa busca por autofinanciamento pode perturbar a missão primária dos museus – a pesquisa, a preservação e a comunicação entre suas coleções para “fins de estudo, educação e fruição” como lembra o Conselho Internacional de Museus da Unesco.
“Hoje o complexo de Versalhes é visto como um bem de consumo do qual é preciso extrair o máximo de dinheiro, sem considerar que se trata de um recurso não renovável e que, ao acolher cada vez mais visitantes em lugares não concebidos para tal fim, condenamos o patrimônio a uma degradação irreversível”, observa Claude Rozier [9], sócio da Associação dos Amigos de Versalhes. Desde julho de 2006, o acesso à Capela do Palácio e à Ópera foi liberado. Estudam agora deixar nas mesmas condições os apartamentos privados de Luís 14.
É o conceito do “ingresso-passaporte com visita guiada em áudio”, que dá acesso ao conjunto dos circuitos abertos à visitação pública (25 euros por pessoa durante o verão, fins de semana e feriados). É um sucesso, segundo o relatório público de Versalhes – 402.290 passaportes foram vendidos em 2005 em comparação às 37.969 vendas em 2000 –, o que “deve levar Versalhes a generalizar os ingressos para toda a estação, simplificando a gestão e facilitando a geração de recursos”. “Pretende-se abrir o maior número de salas", dizem os críticos: "Mas a Opéra Royal não é a casa do Mickey e o mármore de três séculos da Capela não resistirá por muito tempo sob os sapatos dos visitantes!”
Trecho do artigo publicado pelo Le Monde Diplomatique na edição brasileira de fevereiro de 2007. Para ler a matéria na íntegra, clique no título deste post.
Philippe Pataud Célérier
Nos novos conceitos de marketing cultural urbano, o museu torna-se o timão de projetos urbanísticos para atrair turistas e exposições. Ninguém ignora que “o consumo dos turistas dirige-se para onde há grandes iniciativas culturais” [6]. Cerca de 800 milhões de pessoas se dirigiram de um país a outro em 2005 [7]. Cada território quer seu próprio museu, cada museu seu anexo: de Atlanta a Cingapura; dos países do Golfo a Hong Kong; amanhã, a China. A fundação privada Guggenheim é a mais agressiva. Sua rede estende-se de Veneza a Berlim, de Bilbao a um hotel-cassino em Las Vegas, ao qual o Museu Hermitage de São Petersburgo aluga suas coleções para compensar o parco incentivo do Estado russo. Na França, os grandes museus se internacionalizam. “Não tenhamos medo das palavras. Eles comercializam seu patrimônio para ampliar as fontes de renda”, especifica Françoise Cachin, ex-diretora do Musées de France, comentando a parceria com Atlanta.
Descaso do Estado? “É um fantasma”, antecipa o ministro da Cultura em sua apresentação do orçamento para 2007. Mas ninguém foi preterido. Se os museus se multiplicam, os recursos públicos se diluem. Cada um deve aumentar seus próprios recursos. Os fundos para o Louvre passaram de 39,4 milhões de euros para 69,4 milhões de euros, entre 2000 e 2005. No Pompidou, as receitas da bilheteria aumentaram 41%, enquanto o lucro comercial aumentou mais de 64,4% (concessões, locação de espaços, trocas e permutas) [8]. Essa busca por autofinanciamento pode perturbar a missão primária dos museus – a pesquisa, a preservação e a comunicação entre suas coleções para “fins de estudo, educação e fruição” como lembra o Conselho Internacional de Museus da Unesco.
“Hoje o complexo de Versalhes é visto como um bem de consumo do qual é preciso extrair o máximo de dinheiro, sem considerar que se trata de um recurso não renovável e que, ao acolher cada vez mais visitantes em lugares não concebidos para tal fim, condenamos o patrimônio a uma degradação irreversível”, observa Claude Rozier [9], sócio da Associação dos Amigos de Versalhes. Desde julho de 2006, o acesso à Capela do Palácio e à Ópera foi liberado. Estudam agora deixar nas mesmas condições os apartamentos privados de Luís 14.
É o conceito do “ingresso-passaporte com visita guiada em áudio”, que dá acesso ao conjunto dos circuitos abertos à visitação pública (25 euros por pessoa durante o verão, fins de semana e feriados). É um sucesso, segundo o relatório público de Versalhes – 402.290 passaportes foram vendidos em 2005 em comparação às 37.969 vendas em 2000 –, o que “deve levar Versalhes a generalizar os ingressos para toda a estação, simplificando a gestão e facilitando a geração de recursos”. “Pretende-se abrir o maior número de salas", dizem os críticos: "Mas a Opéra Royal não é a casa do Mickey e o mármore de três séculos da Capela não resistirá por muito tempo sob os sapatos dos visitantes!”
Trecho do artigo publicado pelo Le Monde Diplomatique na edição brasileira de fevereiro de 2007. Para ler a matéria na íntegra, clique no título deste post.
quinta-feira, março 01, 2007
Passagens, de Walter Benjamin
Walter Benjamin. Passagens. Edição alemã: Rolf Tiedemann. Organização da edição brasileira: Willi Bolle. Colaboração na organização da edição brasileira: Olgária Chain Féres Matos. Tradução do alemão: Irene Aron. Tradução do francês: Cleonice Paes Barreto Mourão. Revisão técnica: Patrícia de Freitas Camargo. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. 1167 p.
Por Aléxia Bretas
Lançada em setembro último no Brasil, Passagens é a grande obra-prima póstuma do filósofo, crítico e ensaísta alemão Walter Benjamin. A expectativa, portanto, não é gratuita. Escrito entre 1927 e 1940, mas publicado somente em 1982 na Alemanha, seu projeto inacabado é composto por uma pletórica coletânea de esboços, notas e materiais agrupados por módulos temáticos e organizados em ordem alfabética, cujo propósito maior é apresentar a Paris do século XIX – “cidade de sonho” – como a capital do Capital.
Fruto da parceria da Editora UFMG com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, esta bem-cuidada edição brasileira traz posfácios de Willi Bolle e Olgária Matos, além de um “Glossário” com os principais termos utilizados por Benjamin (em alemão e português), e um “Léxico” de nomes, conceitos e instituições preparado com base na versão norte-americana. Ainda como inovação em relação ao original, este extenso volume de 1.167 páginas conta com um aparato de “Notas introdutórias” referente a cada um de seus textos principais: os “Exposés”, o conjunto de “Notas e materiais”, o arquivo “J – Baudelaire” e o “Primeiro esboço”. Para aqueles ainda não totalmente familiarizados com a arquitetura labiríntica e constitutivamente multiestratificada do trabalho, tais comentários contribuem bastante para a inteligilidade geral de seu conteúdo, expresso quase sempre de forma provisória e descontínua.
Até por isso, as Passagens podem ser lidas como uma espécie de work in progress a ser continuado ou “potenciado” por seus intérpretes. Rouanet, por exemplo, opta por realizar a montagem das “Notas e materiais” com base na planta do “Exposé” de “Paris, a capital do século XIX” (cf. Rouanet, 2000). Buck-Morss recorre à concepção benjaminiana de uma historiografia imagética, e desloca o estudo de uma filosofia material da modernidade do século XIX para o século XX (cf. Buck-Morss, 2002). Willi Bolle, por seu turno, reconstitui o projeto do autor a partir da apresentação da metrópole moderna como palco da história (cf. Bolle, 2000), e defende: “Apesar da importância de se conhecer o processo real de construção, não se pode excluir como menos valiosas as leituras do ângulo da ‘obra possível’” (Bolle, 2000, p. 60).
Não é à toa que as controvérsias em torno de uma das maiores polêmicas literárias do século XX mantém-se vivas até hoje. A começar pelo título escolhido para a obra inicialmente concebida como uma “feeria dialética”. Refletindo o caráter essencialmente polifônico de sua recepção, Das Passagen-Werk (1982); Parigi, Capitale del XIX Secolo (1986); Le Livre des Passages (1989) e The Arcades Project (1999) são algumas entre as principais traduções recebidas pela pesquisa que o próprio Benjamin, na maioria das vezes, se reporta como "Passagenarbeit" – portanto, “Trabalho das passagens”.
Apesar das declaradas intenções do autor em escrever, ainda em 1927, um artigo denominado “Passagens parisienses”, o organizador desta edição propõe uma outra solução para o título da obra em português. Ao optar pela supressão do adjetivo “parisienses”, ele argumenta que o termo “passagens” teria o mérito de tornar possível a remissão a um rico plexo semântico, válido em, pelo menos, três dimensões justapostas: a arquitetônica, como construções urbanas típicas da Paris do Segundo Império; a epocal, como a transição da Era das Revoluções (1789-1848) para a Era do Capital (1848-1914); e a metodológica, como forma de exposição de uma outra proposta historiográfica composta a partir de um móbile de fragmentos, imagens e citações.
Este texto corresponde à parte da resenha publicada pelo nono volume dos Cadernos de Filosofia Alemã do Departamento de Filosofia da USP.
Por Aléxia Bretas
Lançada em setembro último no Brasil, Passagens é a grande obra-prima póstuma do filósofo, crítico e ensaísta alemão Walter Benjamin. A expectativa, portanto, não é gratuita. Escrito entre 1927 e 1940, mas publicado somente em 1982 na Alemanha, seu projeto inacabado é composto por uma pletórica coletânea de esboços, notas e materiais agrupados por módulos temáticos e organizados em ordem alfabética, cujo propósito maior é apresentar a Paris do século XIX – “cidade de sonho” – como a capital do Capital.
Fruto da parceria da Editora UFMG com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, esta bem-cuidada edição brasileira traz posfácios de Willi Bolle e Olgária Matos, além de um “Glossário” com os principais termos utilizados por Benjamin (em alemão e português), e um “Léxico” de nomes, conceitos e instituições preparado com base na versão norte-americana. Ainda como inovação em relação ao original, este extenso volume de 1.167 páginas conta com um aparato de “Notas introdutórias” referente a cada um de seus textos principais: os “Exposés”, o conjunto de “Notas e materiais”, o arquivo “J – Baudelaire” e o “Primeiro esboço”. Para aqueles ainda não totalmente familiarizados com a arquitetura labiríntica e constitutivamente multiestratificada do trabalho, tais comentários contribuem bastante para a inteligilidade geral de seu conteúdo, expresso quase sempre de forma provisória e descontínua.
Até por isso, as Passagens podem ser lidas como uma espécie de work in progress a ser continuado ou “potenciado” por seus intérpretes. Rouanet, por exemplo, opta por realizar a montagem das “Notas e materiais” com base na planta do “Exposé” de “Paris, a capital do século XIX” (cf. Rouanet, 2000). Buck-Morss recorre à concepção benjaminiana de uma historiografia imagética, e desloca o estudo de uma filosofia material da modernidade do século XIX para o século XX (cf. Buck-Morss, 2002). Willi Bolle, por seu turno, reconstitui o projeto do autor a partir da apresentação da metrópole moderna como palco da história (cf. Bolle, 2000), e defende: “Apesar da importância de se conhecer o processo real de construção, não se pode excluir como menos valiosas as leituras do ângulo da ‘obra possível’” (Bolle, 2000, p. 60).
Não é à toa que as controvérsias em torno de uma das maiores polêmicas literárias do século XX mantém-se vivas até hoje. A começar pelo título escolhido para a obra inicialmente concebida como uma “feeria dialética”. Refletindo o caráter essencialmente polifônico de sua recepção, Das Passagen-Werk (1982); Parigi, Capitale del XIX Secolo (1986); Le Livre des Passages (1989) e The Arcades Project (1999) são algumas entre as principais traduções recebidas pela pesquisa que o próprio Benjamin, na maioria das vezes, se reporta como "Passagenarbeit" – portanto, “Trabalho das passagens”.
Apesar das declaradas intenções do autor em escrever, ainda em 1927, um artigo denominado “Passagens parisienses”, o organizador desta edição propõe uma outra solução para o título da obra em português. Ao optar pela supressão do adjetivo “parisienses”, ele argumenta que o termo “passagens” teria o mérito de tornar possível a remissão a um rico plexo semântico, válido em, pelo menos, três dimensões justapostas: a arquitetônica, como construções urbanas típicas da Paris do Segundo Império; a epocal, como a transição da Era das Revoluções (1789-1848) para a Era do Capital (1848-1914); e a metodológica, como forma de exposição de uma outra proposta historiográfica composta a partir de um móbile de fragmentos, imagens e citações.
Este texto corresponde à parte da resenha publicada pelo nono volume dos Cadernos de Filosofia Alemã do Departamento de Filosofia da USP.
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